segunda-feira, 1 de abril de 2013

Primavera Árabe desloca o eixo do Fórum Social Mundial

por Alberto Pradilla, da IPS Alguns dos postos e pavilhões do FSM no campus da Universidade Al Manar, em Túnis. Foto: Alberto Pradilla/IPS Tunis, Tunísia, 1/4/2013 – A tradicional atenção que o Fórum Social Mundial (FSM) dá às injustiças econômicas, políticas e sociais que pautam a globalização foi deslocada em sua atual edição tunisiana para as convulsões da Primavera Árabe. O FSM “contribuiu na América Latina para a construção de governos que estão com as classes populares. Esperamos que isso aconteça também no mundo árabe”. Desta forma, Tarek Ben Hiba, ativista pelos direitos humanos na Tunísia e na França, reflete as expectativas da esquerda tunisiana diante do FSM, que aconteceu na semana passada em Tunis, capital do país. O encontro, cuja primeira edição ocorreu em 2001 na cidade de Porto Alegre (RS) e que reuniu centenas de organizações e movimentos críticos do atual rumo da globalização, este ano se deslocou para o berço da revolução árabe, com o objetivo de apoiar os processos de mudança abertos após a imolação de Mohammad Bouazizi, em dezembro de 2010. Deste modo, o FSM se converteu em um reflexo dos êxitos e desafios pendentes na Tunísia, Líbia, Síria e Egito, e também de suas contradições e visões enfrentadas ainda não resolvidas. De um lado está o conflito estendido entre laicos e islâmicos, presente especialmente na Tunísia e no Egito. De outro, a guerra que sangra a Síria e a incerteza e instabilidade da Líbia. Esse debate constituiu um dos principais focos de tensão nos encontros, que aconteceu no campus da Universidade Al Manar. Partidários e opositores do presidente sírio, Bashar al Assad, compartilharam espaço em uma cidade universitária transformada em miniacampamento de heterogêneas lutas globais. No dia 28, por exemplo, ao mesmo tempo em que quatro organizações comunistas sírias e duas curdas debatiam sobre futuras iniciativas diante do regime, partidários de Al Assad realizavam um ato na praça central. Não se cruzaram, por isso não houve confronto, mas a tensão era palpável. Presentes ao primeiro ato contaram à IPS que nele foi acordado um documento reconhecendo a importância dos direitos individuais e coletivos de todos os povos da Síria, o que tem especial relevância para a minoria curda. Também aprovaram uma jornada de solidariedade com a revolta síria, que acontecerá na primeira semana de maio. Segundo as fontes, para junho está previsto um congresso que unirá “a esquerda internacionalista síria, europeia e latino-americana” para coordenar o apoio à revolta contra o regime desse país do Oriente Médio. As diferenças se estendem aos líbios. No dia 27, dois grupos se confrontaram quando um deles tentou mostrar um cartaz de apoio a Muammar Gadafi (que governou entre 1969 e outubro de 2011, quando foi morto por rebeldes que o capturaram). Isso despertou a reação de partidários da rebelião, presentes em diversos pontos nos quais se podia ver tanto bandeiras tricolores quanto dos povos nômades amazigh. “Estamos melhor do que estão falando. Há problemas, mas estamos aprendendo do zero, porque não existia a sociedade civil”, disse à IPS a líbia Fatma, moradora em Trípoli e integrante de uma organização que promove a participação feminina na vida política. As disputas entre islâmicos e laicos que estão enervando os processos políticos da Tunísia e do Egito também se expressaram no FSM. Uma das novidades em relação às edições anteriores foi a presença de organizações vinculadas às mesquitas. Eram visíveis seus postos ao longo do grande mercado no campus, mas também em protestos específicos. Por exemplo, estudantes da Universidade ficaram mais de um mês fechados no recinto para reivindicar o uso do véu islâmico entre as mulheres. Usar o modelo que cobre todo o rosto foi vetado pelas autoridades acadêmicas, uma medida que, para os muçulmanos, atenta contra a liberdade religiosa das estudantes. Estes protestos ocorrem em um contexto de enfrentamento, que aumentou desde o assassinato do líder marxista Chokri Belaid, morto a tiros em fevereiro. “Os presentes no FSM são partidários da liberdade, por isso pedimos seu apoio”, disse Nabi Wahbi, um dos jovens participantes do protesto. A integração destes grupos em um ambiente onde é generalizado a luta pelos direitos das mulheres foi um dos desafios destes encontros. Na verdade, setores progressistas da Tunísia acusam os islâmicos de tentarem impor a shariá (lei islâmica) e vulnerar os direitos das mulheres. No entanto, os processos revolucionários árabes não foram o único desafio do FSM. Também houve conflitos nacionalistas enquistados que atraíam a atenção. Os principais, o palestino e o saarauí, atraíam um interesse diferente. Enquanto os palestinos constituíram o grande fator galvanizador das diferentes delegações, os saarauís se confrontavam com a enorme delegação procedente do Marrocos, que tentava deslegitimar as demandas de independência dos habitantes dessa antiga colônia espanhola. “A Frente Polisário mente”, dizia um cartaz em referência ao movimento político que dirige a luta pela independência do Saara ocidental, proclamado em 1976 a República Árabe Saarauí Democrática, pelos independentistas. O ativista marroquino Benis Ghitah insistia em denunciar os refugiados saarauís, assentados na Argélia. E os saarauís, por sua vez, desmentem esta campanha. “O Marrocos tenta confundir as pessoas”, disse Dih Naocha à IPS, expressando temores por ser a primeira ocasião em que representantes de seu povo chegavam a território tunisiano para defender seus direitos. A mudança de região do FSM também significou um deslocamento de seu eixo. Embora seja certo que, como dizia Ben Hiba, os encontros da primeira década do século 21 serviram de apoio a processos de emancipação na América Latina. Algo que as forças revolucionárias árabes esperam que se repita com esta mudança. Blogueiros, organizações de direitos humanos e ativistas de diversas linhas tiveram a oportunidade de se verem frente a frente. Os resultados serão avaliados no futuro. Envolverde/IPS (IPS)

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