domingo, 7 de abril de 2013

Produtores tentam reescrever a economia do café

Na Costa Rica, modelo de negócio garante lucro ao pagar produtores somente depois que o café for exportado, embalado e vendido aos varejistas nos Estados Unidos Em 2005, Kenneth Lander, um advogado de Monroe, na Geórgia, se mudou com a esposa, enteada e os três mais jovens de seus sete filhos para uma fazenda de café em San Rafael de Abangares, Costa Rica. Segundo disse, ele sempre "gostou" da América Latina e, após férias na luxuriosa floresta coberta de nuvens nos arredores de Monteverde, em 2004, Lander se determinou a voltar de forma mais permanente. Ele também procurava mais equilíbrio na vida movida a trabalho. E assim, após comprar a fazenda de um cafeicultor conhecido na viagem anterior, ele se mudou de mala e cuia. "Parecia a Família Robinson", brinca Lander. "Nós simplesmente fomos embora." Na Costa Rica, Lander, agora com 46 anos, não precisava se preocupar em ganhar dinheiro. Ele recebeu uma bolada inesperada ao vender a subdivisão residencial de um lançamento imobiliário que ajudou a criar na Geórgia; o plano era continuar vendendo mais lotes e viver dos lucros. Assim, Lander cultivava café por diversão. Então, em 2008, aconteceu a crise financeira. O valor de sua subdivisão despencou e o empreendimento imobiliário ficou devedor. De repente, ele tinha de se sustentar como cafeicultor e, rapidamente, viu como aquilo seria difícil. Lander dispunha de apenas cinco hectares que produziam 2.700 quilos de grãos de café especiais por ano. Na Costa Rica, Sergio Cascante vende sua safra de café por meio da Thrive Farmers Coffee, com um modelo de "preço justo" Foto: Kent Gilbert/The New York Times "Estamos ensinando ao produtor rural que ele não precisa abrir mão do controle do café", diz Kenneth Lander, à dir., em sua plantação na Costa Rica com Alejandro Garcia Foto: Kent Gilbert/The New York Times Café numa fazenda da Thrive. Produtores tem custos maiores para processamento e exportação Foto: Kent Gilbert/The New York Times Conceito Thrive na parede de uma loja em Monteverde, na Costa Rica Foto: Kent Gilbert/The New York Times A loja vende bebidas de café e guloseimas caseiras para os turistas atraídos pela proximidade com a floresta Foto: Kent Gilbert/The New York Times Café e bolo caseiro da loja em Monteverde, na Costa Rica Foto: Kent Gilbert/The New York Times Ele pertencia a uma cooperativa de "comércio justo", a qual garante aos produtores o preço mínimo, mas ganhava apenas US$ 2,85 do quilo revendido nos Estados Unidos por quase US$ 26,50. O lucro líquido era tão baixo que certa feita ele se viu reduzido a US$ 120, que tinham de durar duas semanas. "Eu estava no caixa do mercado pensando se compraria xampu ou um saco de arroz", contou Lander. Por que ele não recebia mais pelo preço final? Essa pergunta tem sido feita pelos agricultores ao longo da História, principalmente nos países em desenvolvimento, onde produtores de commodities como café e cacau muitas vezes vivem na miséria. Nas últimas décadas, um movimento mundial sob o amplo conceito do comércio justo vem tentando retificar esse desequilíbrio. Em troca do recebimento de preços "justos" pelos produtos, os agricultores do comércio justo adotam padrões trabalhistas e ambientais definidos por grupos de certificação, o maior dos quais é o Fairtrade International, organização sem fins lucrativos com sede em Bonn, Alemanha. Ele representa 1,24 milhão de produtores e trabalhadores rurais em setores que englobam café, bananas e mel. Porém, Lander começou a achar que poderia melhorar a ideia e deu início a um experimento. Empregando um torrefador que havia comprado durante a época das vacas gordas, ele começou a torrar seus grãos e vendê-los pelo Facebook a amigos nos Estados Unidos. Também abriu uma cafeteria, chamada Common Cup, em Monteverde, e começou a vender sua produção a turistas. Quando ficou sem grãos, ele se uniu a dois outros cafeicultores, Jorge Fonseca e Alejandro Garcia – que também tinham um café, o Colibri – e começaram a despachar volumes maiores. De repente, Lander estava ganhando dinheiro. Esse empreendimento ao estilo faça você mesmo levou à criação, em 2011, da Thrive Farmers Coffee, aberta por Lander com Garcia e Michael Jones, empresário de Atlanta. A companhia ainda não passou por grandes testes, mas foi construída sobre a ideia de que os agricultores, nas palavras de Lander, podem "participar do valor agregado enquanto o café é levado ao consumidor". Geralmente, os cafeicultores vendem os grãos verdes, não torrados. Nesse estágio, o grão recebe um valor baseado no mercado de preço do setor; em fevereiro, a média foi de US$ 3,37 por quilo de arábica, segundo a Organização Internacional do Café. O conceito de comércio justo oferece uma melhoria em relação a esse modelo, pagando o preço de mercado pelo produto, com o importante detalhe de garantir um preço mínimo – agora em torno de US$ 3,10 pelo quilo de arábica. Além disso, a cooperativa local que coleta e processa os grãos recebe um bônus, agora girando ao redor de 44 centavos de dólar, utilizado em serviços sociais, como bolsas de estudo e saúde dos produtores rurais e suas famílias. Teoricamente, um agricultor do comércio justo nunca perde, pois se o preço de mercado da commodity for mais alto do que o comércio justo, ele recebe o preço de mercado, com a cooperativa ainda embolsando o bônus. Porém, os compradores do comércio justo adquirem os grãos não torrados e os processos que aumentam o preço e o valor do café só acontecem depois. No sistema que a Thrive está tentando desenvolver, os produtores somente recebem depois que o café for exportado, embalado e vendido – a um preço bem mais elevado – aos varejistas. Se, por exemplo, o café foi vendido a US$ 16 o quilo, a Thrive divide os lucros meio a meio com os cafeicultores, que terminam, neste exemplo, com quase US$ 8 por quilo. Os produtores que trabalham com a Thrive precisam pagar pelos custos altos do beneficiamento e da exportação, mas Lander afirma que eles embolsam quase quatro vezes mais do que por meio do comércio justo, pois os custos de produção e a comissão da cooperativa estão inclusos. E a Thrive auxilia os agricultores formando relacionamentos para eles com as cooperativas e unidades locais de beneficiamento de café. A seguir, quando os grãos são despachados para os EUA, a Thrive assume a embalagem, torrefação e vendas. Em alguns casos, ela vende grãos verdes para torrefadores, sendo que neste caso o cafeicultor recebe 75 por cento do lucro. "Estamos ensinando ao produtor rural que ele não precisa abrir mão do controle do café. É possível acompanhá-lo por toda a cadeia de valor." O sistema da Thrive está entre um número crescente de modelos de negócios inovadores nos setores do café e do cacau, permitindo aos agricultores aumentar sua propriedade e margens de lucro. Um exemplo é a londrina Divine Chocolate, de propriedade parcial de cacauicultores de Gana, que recebem uma porcentagem dos lucros da empresa. A Pachamama Coffee Cooperative, empresa californiana, pertence a produtores da América Latina e da África. Depois que o café é torrado e vendido nos EUA, todo o lucro retorna aos agricultores. Essas iniciativas surgiram do comércio justo e buscam colocar o movimento numa direção mais voltada ao lucro. Paul Rice, presidente e principal executivo da Fair Trade USA, a organização sem fins lucrativos que certifica transações entre empresas norte-americanas e seus fornecedores, aplaudiu empresas como a Thrive, mas indagou: "Esse modelo é mesmo escalonável? Ele vai atingir milhões de produtores rurais?". Lander reconhece os desafios no modelo da Thrive e afirmou que existiam falhas enquanto ele e os sócios definiam o negócio. Dois grupos de cafeicultores da Thrive que não processavam o café segundo os padrões da Specialty Coffee Association of America, por exemplo, tiveram de reprocessar o produto. "É a primeira vez que se pede aos produtores para pensarem na qualidade. Agora, eles estão vendendo para o usuário final. Então, isso é algo que precisamos ensinar a eles." Carlos Vargas, diretor financeiro da CoopeTarrazu RL, cooperativa de café da Costa Rica, disse que o modelo de pagamento da Thrive, no qual os produtores precisam esperar até o café ser vendido nos mercados antes de receber, pode ser complicado para pequenos cafeicultores. "No fim, o agricultor recebe um preço bom, mas o problema é não existir o equilíbrio certo entre quando ele precisa do dinheiro e quando o recebe", alegou Vargas. Em 2012, a Thrive vendeu quase 150 mil quilos de café pela internet, a igrejas e lojas especializadas. O café é vendido por valores entre US$ 22 e US$ 27 o quilo. Segundo Lander, dos 625 produtores da empresa em Costa Rica, Honduras e Guatemala, 480 receberam sua parcela nas vendas de café. Os restantes deixaram o café em consignação com a Thrive no final da safra, assim seu produto ainda não chegou ao mercado. Quanto ao seu bem-estar, Lander contou que desde que a Thrive obteve investidores anjos no final do ano passado, ele vem recebendo um "salário conservador". E acrescentou: "Nunca estive mais feliz ou realizado". E ele não tem problemas para comprar xampu.

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