domingo, 1 de abril de 2018

Seca na Argentina afeta produção de grãos

Edição do dia 01/04/2018
01/04/2018 10h55 - Atualizado em 01/04/2018 11h32

Seca na Argentina afeta produção de grãos


Em algumas áreas, já se fala em perdas acima de 50%. Bolsa de cereais de Buenos Aires estima quebra de 31% da safra com relação ao ano passado.

Anna Dalla Pria e Francisco Maffezoli JúniorArgentina


Argentina é o terceiro maior produtor de soja do mundo e está enfrentando uma das piores secas de sua história.
Uma imensa planície, com milhões de hectares de terras férteis e produtivas. Assim é a pampa úmida, que se estende por 5 estados, ou províncias, como se diz por lá. Este pedaço da Argentina responde por mais de 70% da produção de grãos do país. E foi justamente nesta região que a seca pegou pesado. Em algumas áreas, já se fala em perdas acima de 50%.
“Se você analisar o que acontece historicamente nessa re gião da Argentina entre os meses de novembro e março, chove aproximadamente 500, 600mm, dependendo do ano. Mas este ano não choveu nem 190mm”, diz o agrônomo Fernando Musegne, que é pesquisador do Inta, Instituto de Tecnologia Agropecuária da Argentina. Ele explica que no país, as culturas de verão - especialmente soja e milho -  são plantadas em dois momentos: o chamado cultivo de primeira é feito em novembro. E o de segunda, na metade de dezembro, logo após a colheita do trigo. As lavouras de segunda foram as mais afetadas pela seca.
"Este ano, não apenas as plantas não cresceram, por causa da falta de água, como também foram atacadas por pragas que causam mais danos em períodos de seca. Normalmente, uma soja poderia produzir umas 2000, 2100 quilos por hectare. Mas na condição que está, não vai chegar a 800 quilos", diz Musegne.
A colheita está só começando, mas os agricultores já sabem que o estrago foi grande. Horácio Bessonart tem cerca de 180 hectares de terra em duas propriedades na região de San Antônio de Areco, na província de Buenos Aires. Planta soja, milho e cria gado de corte. Pelo estado da lavoura, ele calcula que vai perder uns 30% da soja. No milho, o prejuízo vai ser maior.
Com a falta de chuva, as plantas não se desenvolveram, algumas morreram e praticamente, não produziram. As poucas espigas que saíram estão bem pequenas e com grãos mal formados.
"Nestes lotes, nos anos normais, colhemos 8.500 quilos de milho por hectare e uns 4.600 de soja. Já estamos colhendo milho na outra fazenda e a produtividade está entre 2.300 e 2.500 quilos. Ou seja, estamos perdendo de 170 a 200 dólares por hectare”, diz Horácio.
Chove 30mm quando o esperado era 300mm
Na região de Ramallo, também na província de Buenos Aires, a situação é ainda pior. "Em alguns lugares, nos dois meses mais críticos do cultivo, choveu de 20 a 30 milímetros, quando precisaríamos de uns 300 para que a lavoura produzisse seu máximo", diz Daniel Berdini.
Ele plantou 700 hectares de soja. E mostra o que a seca fez com as plantas: "Algumas ficaram verdes, mas não conseguiram produzir a quantidade certa de vagens… Outras secaram com vagens e tudo. Como esta (veja no vídeo) que morreu antes de completar a produção.
Daniel tem apenas 50 hectares de terra própria. Os outros 650 que cultiva são arrendados. Uma situação comum na Argentina, que torna os custos de produção ainda mais altos.
“Para pagar o arrendamento, todas as despesas do plantio à colheita e o frete pra transportar os grãos até os portos, a gente tem que produzir cerca de 3000 quilos por hectare”, diz Daniel. Ele vai produzir apenas metade.
Daniel também é dirigente da cooperativa de Ramallo e da Coninagro - a Confederação das Cooperativas Argentinas. Ele diz que a maior parte dos agricultores do país faz financiamentos para custear as lavouras. E, assim como no Brasil, aqui também se trabalha no sistema de troca. Empresas e cooperativas calculam o valor dos insumos em quilos de grãos. Depois da colheita, o agricultor paga em sacas de produto. Mas com a quebra na safra a situação ficou bem complicada.
“Nós não vamos ter os quilos, as toneladas de grãos… Como vamos pagar é a pergunta do momento entre os produtores. Aqueles que a seca pegou em cheio,  e que tiveram muito impacto na produção, sinceramente, estão desesperados… Porque não sabem como pagar todos os compromissos assumidos com as cooperativas, com os bancos”, diz ele.
Na Argentina o seguro rural é muito limitado. Cobre apenas danos causados por granizo. E os problemas não param por aí. No final de maio, os agricultores teriam que começar a plantar o trigo. Mas para isso, antes de tudo, é preciso que chova:
"A garantia de um bom resultado no cultivo do trigo, depende da quantidade de água que tem no solo no momento do plantio. Se essa seca se prolongar até maio, se a chuvas foram as escassas, será muito difícil… Porque, necessitamos de, pelo menos, uns 150mm de chuva para que o solo se recarregue de água", dz Musegne.
Previsão do tempo não é animadora
Nós fomos até Buenos Aires, capital da Argentina, conversar com o agrometeorologista do Inta (veja no vídeo). Ele diz que não dá para fazer uma previsão segura a longo prazo. Mas, a princípio, o cenário não é muito animador.
Com dívidas para pagar e incertezas sobre o futuro, os agricultores agora esperam algum tipo de ajuda para seguir produzindo. “Nós vamos precisar de muita ajuda das cooperativas para comprar as sementes e poder plantar o trigo. E também pra conseguir pagar as dívidas. Acredito que pela primeira vez em anos, vão ter que sentar com todos os envolvidos pra procurar soluções. Temos que reunir quem fornece os insumos, os donos da terra, aqueles que financiam, o estado que diz estar presente... E não é para dar uma vida melhor pro produtor e sim para possibilitar que ele produza”, diz Daniel.
Governo estima quebra de 18% inicialmente, mas pode chegar a 31%
Nós fomos ao Ministério da Agricultura da Argentina conversar com o secretário nacional de Agricultura, Pecuária e Pesca, Guillermo Bernaudo. Ele diz que enquanto a colheita não terminar, o governo trabalha com uma estimativa de uma quebra na safra de 18%. E que o ministério já preparou um pacote de medidas pra ajudar os produtores atingidos pela seca.
“Teremos alguns mecanismos de ajuda: redução no valor dos impostos, um prazo maior para o pagamento e também um desconto no valor dos financiamentos feitos nos bancos estatais. Para isso, a provincia tem que declarar estado de emergência”, explica Bernaudo.
Doutor Bernaudo também explica que a preocupação do governo é grande porque a quebra na safra afeta toda a economia do país. “Ainda não podemos calcular exatamente quanto dinheiro o país vai perder. Mas são cifras importantes. E mais: o país terá menos venda de máquinas, movimento de caminhões, de consumo nas cidades… É uma freada na movimentação da economía do país”.
Enquanto esperam pela ajuda, os agricultores vivem dias de angústia e muita preocupação... Gustavo Melon confessa que depois que a chuva parou, no final de dezembro, nunca mais tinha entrado na área de 60 hectares de milho. Porque sabia que o prejuízo seria grande:
“O custo do milho aqui é alto. Depende da tecnologia que você usa, do tipo de semente, mas tudo é caro. Aqui nesta área, que em anos normais produz muito bem, eu tenho um custo  entre 5 e 6 mil quilos por hectare. Então, para ter lucro com esse milho, teria que colher uns 7,  8 mil quilos. Mas não vamos colher nada”, diz Gustavo.
Gustavo também planta soja e cria gado de corte. Tudo sofreu bastante com a seca, inclusive as pastagens. Fomos a um campo de cria, onde ficam vacas e bezerros até o desmame. Nessa época do ano, o pasto que é nativo, deveria estar alto e verde. Mas não é o que está acontecendo. E ainda deve ficar pior. Porque daqui até o início da primavera normalmente já costuma chover bem pouco.
As áreas de aveia e capim que Gustavo cultiva para fazer feno e alimentar os animais durante o inverno também acabaram antes da hora. Em anos normais, o gado usa esses pastos durante parte do verão. Depois, eles são retirados para que as plantas rebrotem e possam ser cortadas.
Você viu que o governo argentino prevê queda de 18% na safra de grãos. E esta semana, a bolsa de cereais de Buenos Aires divulgou novos números da soja, estimando quebra de 31% com relação ao ano passado.

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