Publicado em 29/03/2018 20:54
Perícia nos ônibus petistas fica pronta na semana que vem. Apenas com o laudo da Polícia Científica será possível começar a decifrar o quebra-cabeça que se tornou o caso (por Kelli Kadanus, da Gazeta do Povo / Curitiba)
A perícia feita nos ônibus da caravana do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), que foram alvos de tiros nesta terça-feira (27), no interior do Paraná, deve ficar pronta na semana que vem, segundo informações da Secretaria da Segurança Pública e Administração Penitenciária do Paraná (Sesp). O laudo deve ajudar a esclarecer parte dos fatos que geraram polêmica em torno do caso.
O incidente é cercado de especulações e desencontro de informações. A Sesp chegou, inclusive, a divulgar nota em que dizia que o ex-presidente não estava no ônibus atingido porque havia chegado de helicóptero na Universidade Fronteira Sul, em Laranjeiras do Sul (PR). A informação foi desmentida pelo Partido dos Trabalhadores.
“Lula chegou no local em um dos ônibus da caravana, no qual fez o trajeto de Quedas do Iguaçu a Laranjeiras, como foi presenciado por centenas de pessoas e por profissionais de diversos órgãos de imprensa do Paraná, do Brasil e do Exterior”, disse o PT, em nota.
O caso está sendo investigado pela Polícia Civil em Laranjeiras do Sul. Segundo a Sesp, um inquérito foi aberto para apurar as circunstâncias do fato e duas equipes do Centro de Operações Policiais Especiais (Cope), unidade de elite da Polícia Civil do Paraná, estão ajudando nas investigações. Até agora nenhuma pista sobre o(s) autor(es) dos disparos foi divulgada pelos policiais.
Suspeitas e acusações
Nesta quarta-feira (28) o deputado federal Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que é policial federal e filho do pré-candidato à Presidência Jair Bolsonaro (PSL-RJ), pôs em dúvida a veracidade do ataque à caravana, sugerindo, por meio de imagens de supostos disparos em veículos, que as perfurações nos ônibus petistas eram uma “armação”.
De acordo com a perita criminal Rosângela Monteiro, do Instituto de Criminalística de São Paulo, é impossível fazer a afirmação feita pelo deputado porque só o exame realizado por um perito no veículo atingido pode determinar qual a origem da perfuração. Um perito, segundo ela, vai examinar o local do fato, verificar a trajetória do disparo, averiguar se o tiro foi dado de dentro para fora ou de fora para dentro do veículo e ainda verificar o ponto da perfuração para coletar material que indique ou não que ele foi feito por arma de fogo.
“Há perfurações causadas por ferrugem que são semelhantes a um disparo. Até mesmo a foto feita por um jornalista é diferente daquela da perícia. Por isso, qualquer opinião que não seja do perito que esteve no local e examinou o veículo é mera ilação, especulação”, afirmou.
O presidenciável Jair Bolsonaro (PSL) também sugeriu que os tiros teriam partido dos próprios petistas. “Eles se vitimizam o tempo todo e através disso conseguem compaixão, voto e poder”, disse nesta quinta-feira (29), em Curitiba.
Não foi a única menção do presidenciável do PSL ao episódio. Pela manhã, logo depois de desembarcar no aeroporto de Curitiba, Bolsonaro já havia ironizado os ataques. “Lula quis transformar o Brasil num galinheiro, agora está por aí colhendo ovos por onde passa”, disse, discursando em cima de um carro de som.
A hipótese de uma armação também foi levantada pelo deputado federal Nilson Leitão, líder do PSDB na Câmara. “Não posso acreditar que alguém tenha atirado nele. Eles são capazes de tudo, inclusive de ter armado a situação para se colocar de vítima. Não acredito que alguém tenha feito isso”, afirmou o parlamentar tucano.
Afastamento do delegado?
Uma informação que chegou a circular é de que o delegado da Polícia Civil do Paraná, Wikinson Fabiano Oliveira de Arruda, não participaria mais das investigações sobre os tiros porque suas declarações logo após o incidente não foram bem recebidas pela cúpula da Sesp, segundo a Folha de S. Paulo. O jornal afirmou que a apuração do caso seria comandada pelo delegado Helder Andrade Lauria.
Arruda confirmou ao jornal O Estado de S. Paulo que um dos ônibus da comitiva foi alvejado por ao menos um tiro. “Pelo menos uma das marcas é de arma de fogo”, afirmou. “Se as outras marcas são, apenas a perícia irá dizer”, completou.
Oficialmente, o Departamento da Polícia Civil do Paraná afirma que Arruda não foi afastado do caso. Segundo o órgão, o inquérito é conduzido desde seu início por Helder Lauria, que é o delegado titular de Laranjeiras do Sul. A Polícia Civil afirma que Arruda é delegado adjunto, acompanhou Lauria no atendimento ao local da ocorrência, e continuará dando apoio à investigação.
Falta de estrutura
O delegado Arruda, que estava de plantão na noite dos disparos feitos contra dois ônibus da comitiva de Lula, divulgou uma nota onde fez duras críticas à estrutura da Polícia Civil do estado, que ele classifica como sucateada. As críticas foram uma resposta a informação de que ele teria sido afastado do caso por causa de uma declaração que teria sido considerada precipitada pela direção da Polícia Civil.
“A demora na chegada de peritos ao local deu-se em razão da extrema precariedade a que está submetido o Instituto de Criminalística do Estado do Paraná, uma vez que o perito foi obrigado a se deslocar de Guarapuava até o local onde estavam os ônibus (aproximadamente 120 km), o que é práxis no Estado do Paraná e poderia ter demorado muito mais, se estivesse atendendo a uma outra ocorrência”, disse Arruda, em nota.
Governador minimiza situação
O governador do Paraná, Beto Richa (PSDB), minimizou o incidente e afirmou que “parece que foi uma coisa muito localizada”. A declaração foi dada a Folha de S. Paulo nesta quinta-feira (29).
Richa também classificou a denúncia do delegado Arruda, de sucateamento da Polícia Civil, como mentirosa. “Mentira dele, mentira. Liga para o diretor-geral da Polícia Científica. Ele vai dizer que nunca houve tanto investimento na Polícia Científica quanto no nosso governo. Inaugurei dois IMLs nas duas últimas semanas, Londrina e Curitiba. Liberei a contratação de 28 técnicos, médicos legistas e tudo. Sabe como é funcionário público. Alguns têm mania de querer o paraíso. Pergunta quanto é o salário dele”, disse o governador tucano.
PT quer investigação federal no caso
Deputados petistas pediram a federalização das investigações sobre ataque a tiros contra a caravana. “Precisamos cobrar do poder público federal a intervenção rápida da Polícia Federal, dos órgãos de segurança federais sobre este caso”, afirmou Marco Maia (RS), que classificou o caso como “atentado político”. “Houve uma tentativa de assassinato.”
Os parlamentares afirmaram que pedirão à Procuradoria-Geral da República (PGR) investigação rápida do caso e também disseram estudar medidas contra colegas que, segundo eles, incitam ações como a de terça.
“Quem está cometendo esses crimes [de incitação]? São em parte parlamentares da base do presidente Michel Temer. São autoridades federais e, portanto, tem que ter uma investigação federal e uma punição exemplar”, disse Paulo Teixeira (SP).
O deputado federal Paulo Pimenta, líder do PT na Câmara, disse ter telefonado para o ministro da defesa, Raul Jungmann, para cobrar providências. Segundo ele, Jungmann foi alertado desde o inicio da caravana, dos primeiros episódios de violência, sobre os riscos, assim como as autoridades dos três Estados por onde a caravana passou.
Entenda o caso
Dois dos três ônibus da caravana de Lula pela região Sul foram alvejados com tiros na estrada entre Quedas do Iguaçu e Laranjeiras do Sul, no interior do Paraná. Os disparos foram relatados por integrantes da caravana do petista.
Um dos veículos apresentava marcas de três tiros. Um disparo perfurou a lataria e outros dois atingiram os vidros. O ônibus transportava jornalistas que fazem a comunicação da caravana, de blogs e sites que acompanham a comitiva, e repórteres estrangeiros. O outro ônibus, que foi atingido por um tiro, levava convidados da caravana. O ônibus que estava com o ex-presidente Lula não foi atingido. Ninguém ficou ferido.
Nos dez dias de caravana, iniciada no dia 19 de março em Bagé, no extremo sul do Rio Grande do Sul, a comitiva de Lula enfrentou diversas manifestações contrárias ao petista.
Crônica sobre o possível último ato público da carreira de Lula (por ROGÉRIO GALINDO, na GAZETA DO POVO)
A plateia na Santos Andrade (centro de Curitiba) nem de longe lembrava a dos maiores comícios de Lula na cidade. Há mais de uma década acompanho os discursos do ex-presidente na cidade. Talvez tenha sido um dos eventos com menos gente. Teve a chuva, claro, que afastou o povo.
Mas os de sempre estavam lá: os estudantes sentados na escadaria, amontoados. Os náufragos que se aglomeram em torno de centrais sindicais, MST e outras tábuas de salvação em meio à praça. E os militantes com suas bandeiras e faixas. No total, talvez, umas três mil pessoas. Para um sujeito que, imagina-se, ainda tem trinta milhões de votos, é pouco.
No entorno, o silêncio. Os prédios em volta da Santos Andrade têm janelas fechadas e escuras, em protesto. A senadora Gleisi reclamará que os que puseram bandeiras do Brasil na janela querem se apropriar do país, que também é da multidão ali fora. Em resposta, haverá fogos de artifício. E, literalmente, três pessoas batendo panelas.
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O evento é mal programado. A multidão de devotos passou o dia na praça, na chuva, esperando Lula. Só quer ver Lula. Quer ouvi-lo. Mas o presidente demora. E enquanto isso vêm discursos e mais discursos. Chatíssimos, pouco representativos. Quase se ouve o gigante bocejo coletivo.
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Quando Lula finalmente chega, a plateia se acende. É como se um Beatle subisse ao palco depois de intermináveis bandas locais de abertura. Ele tem uma criança ao colo. E de novo o protocolo lança o evento no abismo. Cantam-se canções, leem-se poemas, não há ritmo, uma tragédia que começa a incomodar mesmo os mais fiéis beatos.
E, pior, não é Lula quem fala. Começa agora uma infinita procissão de seguidores do presidente – mas agora os de alto escalão.
Alguns têm nitidamente a admiração da plateia. Como Dilma, que com sua fala sempre arrevesada, de uma sintaxe absurdamente confusa, consegue arrancar aplausos e cantos. Como Requião, que faz um discurso bonito, o melhor da noite, sobre o golpe, e ouve aplausos sinceros. Como João Pedro Stédile, um orador sempre capaz de levantar a plateia.
Mas são tantos os discursos que uma hora a multidão se rebela. Só quer Lula. Por favor, deixem o Lula falar. Quando anunciam o senador Capiberibe, do Amapá, é demais. Ninguém mais aguenta. Gleisi contém a fúria dizendo que, por favor, é importante para a democracia esse ato suprapartidário. É importante para Lula. Bom, se é importante para o Lula, ouçamos o homem do Amapá…
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E ainda há dois presidenciáveis antes de Lula. Manuela d’Ávila, que arranjou tempo para bolar uma bela camiseta (Nossas ideias são à prova de bala) mas não para bolar um discurso que prestasse. E Guilherme Boulos, que levantou o pessoal do PSol, mas ainda não se mostra o sucessor de Lula no palanque que alguns imaginam que ele possa ser.
E aí vem Lula.
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É triste, em certo sentido, ver e ouvir o ex-presidente. Septuagenário, está gasto. A voz, depois do câncer de garganta, falha, e muito. A inspiração não vem. O discurso é chato. Mas ele ainda domina o palco.
E antes de mais nada diz que não vai permitir que o cerimonial corte a fala de uma moça quilombola que veio de Guarapuava só para dar o seu recado. Abraça a negra Isabela e lhe cede tempo de microfone. Eis o Lula profissional em ganhar o público.
E a moça fala bem. E parece que as coisas vão engrenar.
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Mas não. Lula faz um resumo de sua caravana. Longo demais, desnecessário. Todos ali já sabiam o que tinha acontecido. E apesar de toda a boa vontade da plateia, parece que todos percebem que não é a noite dele. Eles querem Lula de novo. Cantaram e gritaram. Mas não conseguem demonstrar toda a empolgação de outros dias, de outros tempos.
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Lula fala contra a Globo. Contra os Estados Unidos. Contra o MBL. Diz que se recusa a dizer o nome de Bolsonaro. Ataca a direita. E em seus ataques é aplaudido. Destila bile contra Dallagnol, Sérgio Moro e o TRF. Nem uma palavra sobre o Supremo, de quem depende sua liberdade.
Há um ou outro momento inspirado. Como quando diz que ligou para Obama, em 2008, oferecendo a solução para a crise. “Vocês não têm o BNDES? O Banco do Brasil? A Caixa Econômica? Porra, Obama, vamos criar. Porque todo mundo sabe que foi usando os bancos públicos que eu tirei a economia do Brasil do buraco.”
Mas o que o povo mais aplaude é quando Lula diz que não adianta prendê-lo. Porque “quando eu não puder mais andar por esse país fazendo política, vou andar pelas pernas de vocês”. É o que eles querem: seu líder dando ordens e dizendo que tudo dará certo.
A melhor frase da noite sobre isso, no entanto, veio de Requião. “Há uma verdade absoluta: é impossível encarcerar a esperança de um povo”.
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Na semana que vem, o STF decide se é ou não possível encarcerar Lula. Para aquelas pessoas, e para mais 30 milhões de brasileiros, o resultado pode ser um baque. Lula, para eles, ainda é, apesar de tudo, sua esperança.
Fonte: Gazeta do Povo
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