Demanda crescente pelo produto com mais cacau estimula investimentos de fabricantes como Nestlé e Barry Calebaut, que atua em Extrema. A corrida reflete em fazendas da Bahia
Os cacauicultores do Sul da Bahia estão investindo na mudança da embalagem do seu principal produto: o cacau. A estratégia, a cargo de um grupo de novos empreendedores – muitos deles descendentes de antigos coronéis da região –, promete dar novo impulso à cultura do fruto presente no litoral Sul baiano desde 1746, com salto histórico do saco de 60 quilos de amêndoas de cacau para barras a partir de 60 gramas de chocolate premium. A explicação para a mudança, iniciada há cerca de uma década, e que agora ganha mais espaço no mercado, é simples: com a arroba do cacau cotada em cerca de R$ 140, o quilo do fruto fica próximo de R$ 9, enquanto na versão de barras com no mínimo 40% de cacau (o tradicional no mercado tem 25%), o valor do quilo passa de R$ 250.
Além de agregar valor, a mudança está encontrando campo fértil entre os consumidores brasileiros. “O chocolate premium ou gourmet é feito de forma mais artesanal e esse segmento tem crescido muito”, afirma Ubiracy Fonseca, presidente da Associação Brasileira da Indústria de Chocolates, Cacau, Amendoim, Balas e Derivados (Abicab). Nos últimos anos, a produção de chocolates amargos (com maior teor de cacau) aumentou sua participação no mercado total de chocolates brasileiros de 2% em 2014 para 5% atualmente, segundo Fonseca. Em volume, se trata de aumento de pouco mais de 10 mil toneladas para 25 mil toneladas em 2017.
Hoje, a Abicab não faz levantamento de preços, mas estudo apresentado pela entidade em 2014 previa que o segmento de chocolate premium chegaria este ano ao faturamento de R$ 2,9 bilhões. Sem fazer projeções financeirais, Ubiracy Fonseca diz que o mercado de chocolates deve crescer 3% em 2018, aquém da expansão dos produtos gourmet. É no embalo de um crescimento de mais de 10% ao ano nos últimos anos, na maior aceitação dos consumidores por chocolates com mais cacau e no apelo de alimento saudável que os produtores de chocolate premium do Sul da Bahia estão devolvendo vida às centenárias fazendas de cacau em Ilhéus e municípios vizinhos.
Renascimento
É nas propriedades que foram “abandonadas” ou fechadas a partir de 1989, depois que a praga da vassoura- de- bruxa (fungo que ataca a brotação da planta) devastou a cultura na região, derrubando a produção de 400 mil toneladas/ano em 1988 para 90 mil toneladas/ano em 2000, que o cacau está ganhando novo destino. Quase 20 anos depois, a volta dos descendentes das famílias tradicionais da cacauicultura da região às suas propriedades deu início à produção de chocolates gourmet na região.
Em 2007, a Amma Chocolates e a Fazenda Riachuelo – que daria origem, em 2013 à Mendoá Chocolates – iniciaram pesquisas e o desenvolvimento de plantas mais resistentes ao fungo e com amêndoas de melhor qualidade para produção de chocolate. Dois anos depois era realizado o primeiro Chocolat Bahia – Festival Internacional do Chocolate e Cacau, em Ilhéus.
“Em 2009, tínhamos apenas uma marca (a Amma) e hoje são 70 marcas, com 90% delas de pequenos e médios produtores. Isso surgiu a partir da verticalização, que foi uma possibilidade por causa da vassoura -de- bruxa e da opção por produzir chocolates com mais cacau”, afirma Marco Lessa, organizador do evento e proprietário da Chor Chocolate de Origem. Lessa comemora a expansão do evento, que atraiu 10 mil pessoas na primeira edição e neste ano recebeu cerca de 65 mil pessoas no Centro de Convenções de Ilhéus, onde 120 expositores apresentaram produtos e serviços de 18 a 22 deste mês. Segundo Marco Lessa, foram investidos R$ 1,5 milhão na décima edição do festival, que gerou negócios estimados em R$ 15 milhões.
Aposta na sofisticação
Certos de que o chocolate contendo mais quantidade de cacau e de boa qualidade pode repetir a história de produtos que alcançaram um patamar de sofisticação no mercado brasileiro, como as cervejas artesanais, o café e o azeite, os produtores de cacau que estão produzindo também chocolate (tree to bar – dá árvore ao chocolate) se multiplicam em Ilhéus e nos municípios vizinhos, com alguns transportando as amêndoas das fazendas na Bahia para fábricas em São Paulo, Brasília e outras cidades do país. “São produtos voltados para a qualidade, com foco na saúde, no alimento funcional, no alimento sensorial”, diz Gerson Marques, dono da marca Yrerê e presidente da recém-criada Associação dos Produtores de Chocolate do Sul da Bahia.
Com investimentos de R$ 3 milhões em uma fábrica de chocolate com capacidade para produzir 12 toneladas por mês, a Chor e a Fazenda Sagarana, parceiras no empreendimento, integram a associação, que reúne 17 produtores, quase todos ligados a famílias tradicionais que retornaram aos negócios do cacau. “Nossa fazenda ficou abandonada 15 anos”, conta Juliana Aquino, que voltou à Fazenda Santa Rita, em Arataca, no Sul da Bahia, com o marido, Tuta Aquino, com a intenção de agregar valor ao cacau e aperfeiçoar a amêndoa para atender ao mercado bean to bar (da amêndoa ao chocolate) dos Estados Unidos.
Nesse processo, Tuta e Juliana começaram, na fazenda de 400 hectares (60 hectares com cacau), a produção de chocolate da marca Baianí. História semelhante para contar tem Pedro Magalhães, que há 16 anos começou a plantar variedades diferentes em áreas separadas na Fazenda Lajedo do Ouro, em Ibiritaia, Sul da Bahia. “Separado num bloco de 12 hectares com cinco concentrações e três variedades em lotes de 2,5 hectares, o processo dá ao cacau um gosto particular”, afirma o proprietário da Var Chocolates, que criou o conceito de terroir, nos 200 hectares de cacau da fazenda.
Rogério Kamei, que produz a marca Mestiço, trabalha com o conceito de varietais na sua fazenda de 237 hectares, em Itacaré, Sul da Bahia, onde o cacau ocupa 140 hectares. Amado Cacau, Cacau do Céu, Maltez, Maia, Coroa Azul e Modaka são outras marcas que integram a associação e estão ganhando espaço no mercado nacional. “As pessoas começam a se identificar com nossas marcas de chocolate e ainda há muito o que avançar, porque somos cerca de 50 produtores de chocolate num universo de 30 mil produtores de cacau”, observa Gerson Marques.
Amêndoa reconhecida nas lavouras baianas
Os municípios do Sul da Bahia se consolidam como novo polo de produção de chocolates gourmet no país, mas o processo que está reativando a lavoura cacaueira na região teve início há aproximadamente 15 anos com a busca de uma amêndoa com mais qualidade e de maior valor de mercado. Com cerca de 35 mil produtores em uma área superior a 450 mil hectares distribuída por 83 municípios, a amêndoa de cacau do Sul da Bahia recebeu este ano o selo de Indicação Geográfica, na espécie de Indicação de Procedência, do Instituto Nacional de Propriedade Industrial (Inpi).
Espécies mais produtivas e resistentes a pragas, melhores técnicas de colheita, fermentação e secagem das amêndoas garantem um chocolate melhor e rendem preços até 100% superiores ao valor da commodity. “Não temos dados de mercado, mas os produtores estão conseguindo prêmios de 70% e até mais de 100%, no caso de uma empresa que comprou mais de 100 toneladas”, afirma Cristiano Santana, da Associação Cacau Sul Bahia, que reúne oito cooperativas e sete associações e que representa mais de 3 mil produtores.
Essa busca de qualidade e de valorização das amêndoas deu origem à Mendoá Chocolates, uma das maiores fábricas da região. Ela nasceu da busca de uma amêndoa de mais qualidade. “No início, se buscava vender cacau com mais qualidade”, conta Raimundo Camelo Mororó, sócio-gerente da empresa e responsável pelo início das pesquisas na Fazenda Riachuelo. “O cacau está cotado a US$ 2 mil a tonelada e nós exportamos 24 toneladas este ano, com valor de aproximadamente US$ 8.700 por tonelada”, observa Mororó, um dos maiores especialistas em cacau no país. (MM)
Gigantes se movimentam
Os investimentos do cacaueiro à produção de chocolates ainda têm muito espaço para avançar. Apenas 5% das 120 mil toneladas de amêndoas produzidas no Sul da Bahia no ano passado foram destinadas à produção de chocolate na região, ou 6 mil toneladas. Os outros 95% são destinados às indústrias moageiras. Esse movimento chamou a atenção das grandes marcas.
A Nestlé lança no mês que vem no Brasil a linha Les Recettes de L’Atelier, já lançada na Suíça e na França, em 2014, e que marca sua entrada no mercado de chocolates premium no Brasil, o primeiro país da América Latina a receber as barras de chocolate nas versões amargo (70% a 80% de cacau) e ao leite com pedaços de frutas e castanhas.
Já o sócio-fundador da Natura, o empresário Guilherme Leal, lançou no ano passado a marca Dengo, com barras de chocolate nas versões de 36% a 75% de teor de cacau, e sem açúcar, além de bombons recheados com frutas brasileiras, como caju e cupuaçu. E a gigante suíça Barry Calebaut, maior produtora de chocolate do mundo, investiu US$ 11,5 milhões na sua fábrica, em Extrema, no Sul de Minas para expandir a produção a partir de 2015 e atender ao mercado de chocolates gourmet. Esses movimentos confirmam a aposta dos empreendedores do Sul da Bahia de produzir chocolate de qualidade a partir do cacau plantado na região há 272 anos. (MM)
Receita de R$ 1,4 bilhão
A estimativa do governo da Bahia é de que a cultura do cacau movimente R$ 1,4 bilhão por ano na região, com a geração de 100 mil empregos na produção, feita no sistema agroflorestal conhecido como cabruca. Os pés de cacau são plantados à sombra das grandes árvores da mata atlântica. Neste ano, devem ser produzidas 143 mil toneladas de cacau no Sul da Bahia, segundo levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IBGE). Em todo o país, devem ser colhidas 272,7 mil toneladas.
Data de Publicação: 30/07/2018 às 11:40hs
Fonte: Estado de Minas
Fonte: Estado de Minas
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