domingo, 29 de janeiro de 2017

Pesca e floresta garantem renda a ribeirinhos das ilhas do rio Tocantins

Edição do dia 29/01/2017
29/01/2017 09h26 - Atualizado em 29/01/2017 09h26



Pesca e floresta garantem renda a ribeirinhos das ilhas do rio Tocantins




Pesca do mapará, um peixe delicioso, produz um espetáculo em uma região de natureza exuberante do Pará.

Vico IasiIlhas do Baixo Tocantins, PA


Globo Rural visita as ilhas do Rio Tocantins, no Pará, uma região exuberante da Amazônia. Um lugar onde os ribeirinhos vivem dos frutos da floresta e da pesca de um peixe delicioso, o mapará.

Localizada às margens do rio Tocantins, no nordeste do Pará, Cametá foi fundada no século 17 e ainda abriga casas e igrejas do período colonial. Hoje, com mais de 100 mil habitantes e um porto movimentado, a cidade é o principal polo econômico da região.
Uma das principais atrações de Cametá é o mercado municipal que funciona todos os dias no período da manhã. No lugar tem tudo o que é tipo de produto regional. O destaque é para os peixes do rio Tocantins, como tucunaré, filhote, tambaqui, caratinga, camarão de água doce e mapará, o peixe mais importante da região.
Parente do filhote e da dourada, o mapará é um peixe de couro, sem escamas. Existem três espécies na Amazônia. A mais comum no Tocantins é a hypophthalmus marginatus. A carne é clara e tem poucas espinhas.
Com 2,4 mil quilômetros de comprimento, o Tocantins é um dos maiores rios do Brasil. Ele nasce em Goiás, corta o estado de Tocantins, fazendo divisa com o Maranhão, e atravessa parte do Pará até chegar ao sul da ilha de Marajó.
No trecho final, chamado de baixo Tocantins, o rio atravessa municípios paraenses como Baião, Mocajuba, Limoeiro do Ajurú e Cametá. Em muitos pontos, o leito é largo, com barcos passando o tempo todo.
Além de ser movimentado e gigantesco, o baixo Tocantins é marcado por ilhas e ilhotas de diversos tipos de forma e tamanho. Mas para quem viaja de barco na altura do rio não é fácil identificar o contorno das ilhas nem a dimensão do arquipélago. Para se ter uma ideia mais clara da geografia da região, o melhor é ver tudo do alto.
De cima, o primeiro aspecto que chama atenção é a quantidade de ilhas. Só no município de Cametá há 105 grandes, além de dezenas de ilhotas menores. O conjunto forma desenhos bonitos e um labirinto canais e passagens. Um traço central das ilhas é que são baixas, com muitas várzeas e poucas áreas de terra firme.
Professor da Universidade Federal do Pará, o geógrafo Rosivanderson Corrêa fez mestrado e está fazendo um doutorado sobre a região. “É uma das maravilhas da Amazônia, onde você tem a presença do homem amazônida, com o seu modo de vida peculiar, com a sua identidade e vivendo a relação não só econômica, mas afetiva com o rio”, diz Côrrea.
Para conhecer melhor essa civilização das ilhas, o Globo Rural visitou uma comunidade de ribeirinhos. O destino é a ilha de Saracá. Nascida e criada em Saracá, Maria de Jesus Ferreira é uma das líderes da ilha. Ela explica que Saracá tem 610 habitantes. Alguns moram em casinhas isoladas, mas a maior parte das pessoas vive em povoados. As casas ficam suspensas por pilares e todas são ligadas por pontes de madeira.

Na ilha de Saracá, o sustento dos moradores vem de produtos da mata como cacau, buriti e, principalmente, do açaí, que é abundante na região. A aposentadoria rural e os programas sociais como Bolsa Família também são fontes de renda fundamentais, além da pesca artesanal. Aos 85 anos, seu Dorcelino Costa, o seu Teté, já pegou muitos peixes no Tocantins.

A redução do volume de mapará no baixo Tocantins é uma realidade que preocupa o povo das ilhas. Muitos ribeirinhos não respeitam o defeso, período oficial de suspensão da pesca, que vai de novembro a fevereiro. Apesar dos problemas, o mapará continua sendo fundamental para a renda e para a alimentação dos ribeirinhos. A abertura da pesca, quando acaba o defeso é sempre um momento marcante para as comunidades.

Em Saracá, os preparativos começam na véspera da abertura com uma reunião dos pescadores. Terminada a reunião de trabalho, as mulheres entram em cena cantando o siriá, um tipo de música tradicional dessa região do Pará. No centro da roda ficam objetos ligados aos principais produtos das ilhas: uma peneira, usada para coar açaí; a armadilha, para pegar camarão; e uma rede de pesca.

Enquanto a cantoria continua no barracão, outro grupo já começa a embarcar o material que será usado para a pesca do mapará. O pescador Raimundo Ferreira explica que a rede precisa ser forte porque um certo visitante pode aparecer no meio dos peixes. “A rede sendo fina, se o boto pegar, ele rasga”, diz.
Em seguida, já na igrejinha, ocorre uma cerimônia católica. O objetivo é pedir proteção, fartura na pesca e respeito à natureza. A música que encerra o encontro foi criada pelos próprios ribeirinhos.
No dia 1º de março, data da abertura da pesca, o sol vai raiando preguiçoso e o pessoal de Saracá já está na ativa. O trabalho de pesca começa com um serviço complicado: procurar os cardumes de mapará na imensidão do rio. Para isso, os pescadores contam com uma equipe especializada, comandada pelo taleiro, personagem fundamental dessa atividade.
Experiente, o pescador José Barra, o seu Zequinha, vai na frente da canoa mergulhando a vara comprida, chamada de tala. Enquanto os taleiros tentam localizar os cardumes de mapará, os outros pescadores do grupo ficam no aguardo, prontos para entrar em ação. A espera pode levar horas.
De repente, a calmaria se transforma em agitação. Esse momento é decisivo. Os taleiros já deram o sinal, os cardumes já foram localizados e o grupo segue em fila para fazer o bloqueio do mapará.
O bloqueio, ou borqueio, como dizem na região, nada mais é do que cercar o cardume no rio. A rede é lançada por dois barcos que vão fazendo um grande círculo. Quando os dois grupos se encontram, os ribeirinhos amarram as pontas da rede e o cercado está pronto. Com o mapará preso, os pescadores vão fechando o círculo e, aos poucos, deixando o peixe com menos espaço.
O serviço precisa do apoio de um time de mergulhadores. Além das boias em cima, a rede tem chumbo na parte de baixo. O bloqueio é normalmente feito em áreas onde a profundidade do rio não passa de dez metros. Conforme o trabalho avança, vários barcos, com turistas e moradores da região, se aproximam do bloqueio.
Aos poucos, o bloqueio vai mudando de forma e o volume de curiosos aumenta. É tanto barco e tanta gente tirando foto que a polícia precisa ser acionada para evitar acidentes.
Uma hora e meia depois do início do bloqueio, finalmente o trabalho vai chegando ao fim com a rede mais apertada e os barcos em volta. Em instantes, é possível ver os peixes. Para retirar o cardume do rio, alguns dos pescadores entram no cercado e enchem os cestos.
O trabalho é pesado e leva tempo. A produção do dia, com mais de uma tonelada de peixe, é despejada em um barco da comunidade. Com tanto mapará, muitos visitantes ficam ouriçados e fazem de tudo para conseguir um pouco. A doação, em pequena quantidade, faz parte da tradição. Mas a polícia continua presente para evitar exageros.
A agitação da abertura da pesca se repete, ao mesmo tempo, em vários pontos do rio Tocantins. Terminado o bloqueio, os barquinhos retornam para a ilha de Saracá. O mapará é dividido entre os pescadores e os membros da associação de pesca. Cada família da ilha também recebe um pouco de peixe para consumo próprio.
O pessoal de Saracá faz o bloqueio do mapará de duas ou três vezes por mês. O trabalho é realizado sempre fora do período do defeso e com redes autorizadas por lei, evitando, por exemplo, o uso de malha fina para não pegar peixe pequeno.

Com o peixe na brasa e uma boa conversa, as famílias de Saracá comemoram o início de mais uma temporada de pesca do mapará, uma fonte de renda e alimento para milhares de pessoas nas ilhas do baixo Tocantins.

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      http://g1.globo.com/natureza/noticia/2017/01/pesca-e-floresta-garantem-renda-ribeirinhos-das-ilhas-do-rio-tocantins.html

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