domingo, 31 de maio de 2015
Veterinários se especializam no cuidado dos dentes de cavalo
Edição do dia 31/05/2015
31/05/2015 08h35 - Atualizado em 31/05/2015 08h35
Veterinários se especializam no cuidado dos dentes de cavalo
Cavalos são tratados em consultório que parece de dentista humano.
Já existem muitos profissionais interessados na odontologia veterinária.
Camila Marconato
Do Globo Rural
Vamos falar de dentista de cavalo? Isso mesmo. Existem veterinários que são especialistas em tratar os dentes desses animais, que têm todos os problemas que costumam atormentar os seres humanos. Então, você consegue imaginar aí o incômodo e a dor deles. É o que mostra a repórter Camila Marconato.
Um cavalo à beira da morte. "Eu já não contava mais com o cavalo não. Muito magrinho demais", conta o criador João Ottoni.
Salvo por um tratamento dentário. “Por acaso eu dei uma olhada e falei 'poxa, ele está com a boca toda machucada, os dentes estão bem pontudos'. Foi onde eu inventei um 'abridorzinho' de boca bem simplezinho, eu consegui abrir a boca desse cavalo, e com uma grosinha improvisada eu fui arredondando, tirando onde encontrava as pontas”, conta o veterinário Ciro Franco.
“Ele fez o tratamento e o cavalo sarou”, diz o criador. O cavalo do seu Jota foi, digamos, o primeiro "paciente" do veterinário Ciro Franco. O caso aconteceu em 2002 e foi determinante para que o doutor Ciro, na época estudante universitário, decidisse o rumo da sua carreira.
“Quando eu vi esse resultado, eu falei: ‘Poxa, isso aí é um negócio que vai dar certo’”, diz o veterinário.
Deu tão certo que muita coisa já mudou. Há um ano, doutor Ciro trabalha em um consultório móvel. Ele equipou um trailer para fazer todo tipo de procedimento. Lá existem desde aparelhos mais simples para lixar e arrancar o dente do cavalo, motorzinho para tratamento de cárie, tem lima para fazer canal, até uma câmera com monitor de vídeo para olhar dentro da boca do cavalo e ajudar nos casos mais complicados.
“É muito parecido [com um consultório], ele é bem equipado. A gente tem mais de uma tonelada de equipamentos que a gente trabalha hoje para conseguir atender da melhor maneira”, explica o veterinário.
Para montar essa estrutura toda, o veterinário gastou cerca de R$ 300 mil e já recuperou o investimento. “Tendo cliente paga bem rapidinho", garante o doutor Ciro.
"Eu lembro que 20 anos atrás pouquíssimas pessoas chamavam um veterinário para mexer na boca de um cavalo por exemplo. Hoje em dia, eu vejo, isso é muito comum”, diz Marco Antônio Gioso.
Marco Antônio Gioso, professor da USP (Universidade de São Paulo), é considerado o pioneiro da odontologia veterinária no Brasil, especialidade que hoje é dividida em três grandes áreas: cavalos, cães e gatos e animais silvestres.
Cães e gatos, até pela demanda das grandes cidades, é a área que mais cresce. Mas não falta trabalho também para os poucos que sabem cuidar de um macaco ou um lobo guará.
A equipe do doutor Gioso vem ao Zoológico de Sorocaba, em São Paulo, pelo menos uma vez por mês já há uns 15 anos para tratar os dentes dos animais. Todo tipo de animal. Na reportagem, a equipe acompanhou o tratamento da onça pintada, que tinha uma prótese no dente canino, mas perdeu.
Sedado, a onça Vagalume chega para o atendimento. A anestesia é geral e o monitoramento, constante. “O Vagalume perdeu a coroa desse dente, quebrou o dente, e nós fizemos um tratamento de canal, depois do tratamento de canal nós fizemos uma restauração para colocar um prótesei”, explica o doutor Gioso.
Após finalizar o procedimento, Vagalume já tem canino novo. "E aí pronto, vida nova, pode acordar e começar a comer em cima da prótese", afirma Gioso.
Todos os animais ganham em saúde e longevidade quando passam por um tratamento dentário, especialmente aquele que é o tema dessa nossa reportagem.
“O que os cavalos sofrem. Eu já tratei cavalo que perdeu 20% do peso corporal dele, às vezes mais, praticamente definhando, nunca ninguém olhou a boca e arrumou a boca”, conta Marco Antônio Gioso, professor da USP.
Doutor Ciro Franco, atualmente um dos dentistas de cavalo mais experientes do país, vive no município de Piracaia, a 90 km da capital paulista. Lá ele também atende, a cada seis meses, os 120 animais do haras. O resultado aparece logo, na pista.
“Quando um cavalo está com problema, a gente coloca a embocadura nele, ele vira para brigar com a gente, não para, começa a cabecear. Então, através do tratamento odontológico, ele melhora muito”, afirma o treinador Guilherme Moraes de Oliveira.
Mas não é só a vida do competidor que melhora. Todo cavalo doméstico mais cedo ou mais tarde terá problema.
“Os equinos na vida selvagem, eles predominavam uma mastigação mais lateral, então nessa mastigação mais lateral, ele tinha um desgaste mais homogêneo dos dentes. Isso já não acontece no cavalo estabulado porque a ração, por exemplo, não causa esse desgaste e o tipo de mastigação acaba sendo diferente, predomina uma mastigação vertical”, explica o doutor Ciro Franco.
Essa mastigação mais vertical favorece a formação das chamadas "pontas de esmalte dentário", principal problema entre os cavalos. “Eles não têm atrito na região que fica virada para a bochecha, então começa a causar incômodo e feridas durante a mastigação”, detalha Ciro.
Mas vamos deixar de conversa e ver como tudo isso funciona na prática. Uma das potras do haras chega para o seu primeiro atendimento. Antes de tudo, sedação e extração. “Saiu inteirinho o dente de lobo. É indispensável a extração. É um dente pequeno, rudimentar, de raiz curta, que não tem função na mastigação”, afirma o doutor Ciro, após retirar o dente de lobo.
Doutor Ciro aproveita pra mostrar que mesmo cavalos muito jovens já têm as tais pontas que machucam a boca: "São os ferimentos causados por pontas excessivas do esmalte dentário no fundo".
O desgaste é feito com um tipo de lixa motorizada. Serviço feito, aquela limpada final e a potra vai acordando. “[A recuperação] é super tranquila. Agora daqui seis meses ela volta para um segundo tratamento e exames também”, confirma Ciro.
Um tratamento como esse custa entre R$ 300 e R$ 600 e já tem muita gente de olho nessa área de atuação.
É cada vez maior o número de profissionais que querem aprender a tratar o dente dos animais. No caso mostrado pela reportagem, o cavalo. Pelo menos uma vez por mês o trailer consultório do doutor Ciro vira sala de aula. São estudantes de veterinária e veterinários já formados em busca de especialização.
“Uma consulta bem feita vai com certeza vai agregar valor no meu serviço”, explica Sérgio Portilho, veterinário que trabalha no Jockey.
“Todo mundo aqui vai atender um cavalo hoje e vai ter um treinamento um pouquinho melhor para iniciar os trabalhos depois do curso”, diz o doutor Ciro.
E com esse negócio de cada aluno ter um animal para atender no dia do curso, Piracaia talvez seja hoje o município com o maior número de cavalos com dente tratado. O dono não paga nada; os alunos podem ter experiências práticas. Digamos que fica bom para todo mundo.
E foi um desses cursos que salvou a vida do Zé Pretinho, um pangaré, companheiro do Carlinhos. “[E o Zé Pretinho está com quantos anos?] Eu até brinco com os amigos, que ele tem 32 anos, mas com corpinho de 15”, conta o tratador Carlos Dalarme.
Há oito anos, de tão magro, Zé Pretinho mal parava em pé, até o dia em que visitou o dentista.
“Impressionante. Foi muito rápido, em um prazo de dez dias o cavalo já estava se alimentando bem, e todo ano eu levo. O cavalo vai mais no dentista na vida dele mais do que eu. Se eu fui no dentista, foi muito”, afirma o tratador.
No Brasil, a odontologia equina é uma coisa relativamente nova, mas em muitos países esse trabalho já existe há mais de 100 anos.
tópicos:
Economia, Piracaia
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