quinta-feira, 30 de novembro de 2017

Da euforia ao pânico: como nascem e estouram bolhas especulativas?



Movimento especulativo faz preços decolarem artificialmente; veja a história de 4 bolhas que marcaram a economia global


Elas surgem como um negócio imperdível, mas terminam com prejuízos incalculáveis. Bolhas especulativas já fizeram investidores sonhar com riqueza obtida da compra e venda de diversos produtos como flores, ações, boi gordo e imóveis. Para especialistas, a bola da vez é o bitcoin.
Especialistas dizem que as bolhas têm um 'roteiro' de como elas são infladas:
os preços do bem sobem;
mais investidores apostam suas economias nele;
muita gente ganha dinheiro, e o sucesso delas atrai mais pessoas;
a procura é tão grande que os preços sobem mais;
em um ponto, ninguém mais consegue justificar como os preços cresceram tanto;
quando a confiança dos investidores é abalada, basta um sopro para a bolha estourar;
o “estouro da manada” faz a retirada de capital ser abrupta
e o valor do ativo despenca.
Euforia e pânico
Quem faz o panorama é o professor do Instituto de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), Fernando Nogueira da Costa. Ele traça o caminho da euforia dos novos ricos com o altos preços até o pânico, sentido por uma massa de falidos.
“Os economistas analisam se o preço é justo de acordo com circunstancias microsetoriais ou macroeconômicas. Quando o preço descola do que seria o ideal, é considerado bolha.”
Quando se trata de um bem físico, conta o economista, os parâmetros para se chegar ao que seria o preço justo são mais palpáveis, tais como o valor gasto em sua montagem e o custo de aquisição de um item novo em relação ao de um item já no mercado.
Essa relação pode ser verificada no mercado imobiliário. “Se o preço do [imóvel] novo estiver abaixo do usado, você percebe que tem bolha no usado, porque dá para construir mais barato.”
Quando se trata de um bem intangível, ou seja, não se trata de algo físico, a lógica é outra.
“A precificação de bens tem um componente emocional e imaginário muito forte. É o que as pessoas acham que vale. Então, é baseado em opiniões. Você pode questionar se aquilo tem fundamento ou não, mas quando surgem os rumores, aquilo passa a valer mais”, diz.
Por isso, notar o surgimento de bolhas com bens intangíveis é mais difícil.
“Tem muito do componente 'me engana que eu gosto'. A pessoa quer acreditar que aquilo vale mais. Ela compra e tenta mudar a opinião dos outros para que comprem. Se os outros comprarem, aquilo de fato passa a valer mais. Nem tudo tem fundamento real, ou seja, gera emprego, renda...”
‘Boom’ e ‘crash’
Outra característica das bolhas é o comportamento dos preços, diz Costa. Eles sobem muito alto e caem muito rápido. A esses dois momentos, são dados os nomes de “boom” e “crash”, respectivamente. “Não tem nada de equilíbrio.”
Como boa parte do investidor está interessado só em especular, as oscilações da cotação provocam movimentos massivos de aporte de capital no ativo e de fuga dele. Ninguém quer perder o “boom”, nem o “crash”.
“O movimento é coletivo tanto na venda quanto na compra. A metáfora que eu uso é: ‘o último a apagar a luz do aeroporto’. Se há uma fuga de capital, a boiada estoura e tenta passar por uma porta só. Quem passou se salvou. Quem não passou é o último a apagar a luz do aeroporto. Aí, fica com o mico.”
Outro gatilho comportamental que bolhas provocam em investidores é a certeza de que eles sabem quando parar, comenta o professor.
“As pessoas tendem a se atribuir uma supremacia frente aos demais. Acham que sabem o momento certo de entrar e de sair. Com esse componente psicológico, as pessoas querem ganhar mais dinheiro rapidamente, independentemente do ativo.”
Veja abaixo algumas bolhas famosas:
Bolha das tulipas
A primeira bolha especulativa de que se tem notícia é a Mania das Tulipas, na região que hoje é a Holanda no século XVII.
Trazida da Ásia, a flor rapidamente se tornou extremamente cobiçada. Tanto que um único bulbo custava alguns milhares de florins, enquanto um trabalhador especializado ganhava em torno de 150 florins ao ano.
A raridade das tulipas contava para elevar o preço, mas não era só isso. A especulação contava bastante. Ela foi a mãe da solução aplicada para contornar uma peculiaridade do cultivo da planta que limitava a negociação. As tulipas só florescem mais de cinco anos após serem plantadas, o que ocorre entre os meses de maio e abril. Novos bulbos só surgem na primavera. Era apenas nesta época que as vendas ocorriam.
Para poder fazer transações o ano inteiro, os floristas passaram a vender contratos futuros de tulipa. Ou seja: um documento em que o vendedor garantia que compraria a planta ao final de um período. Só que esses contratos também começaram a ser vendidos, com ágio cada vez maior. Alguns economistas acreditam que esse foi o primeiro mercado de derivativos do mundo.
O “crash” veio quando contratos futuros falsos foram descobertos. Os investidores se viram com títulos podres na mão, que davam direito a flores que não existiam. Como alguns deles venderam bens para entrar na onda, tiveram de arcar com o prejuízo.
Crise de 1929 ou "Grande Depressão"
A Grande Depressão, que afundou o mundo na maior crise econômica até 2008, também foi efeito do estouro de uma bolha.
Era uma época em que montadoras de veículos produziam milhões de carros, empresas aéreas começavam a se formar e grupos de mídia e entretenimento, como as de rádio e cinema, se consolidavam nos Estados Unidos. Para aproveitar o bom momento, grandes fundos gastavam montanhas de dinheiro para inflar o preço de ações para vender na alta. As ações desses fundos também eram vendidos. Investidores comuns se endividavam para comprar ações, cujos preços eram artificialmente altos. Até aí, era só euforia diante da possibilidade de fazer dinheiro.
Só que, para aproveitar a onda, bancos passaram a conceder empréstimos pessoais e recebiam ações de empresas como garantia. A ampliação da concessão de crédito colocou muito dinheiro em circulação, o que gerou uma bolha inflacionária. Os preço dos produtos já não mantinham conexão real com a economia.
Quando o Fed, o banco central norte-americano, subiu a taxa de juros da renda fixa para conter essa escalada, os investidores deixaram a Bolsa. O preço das ações foi esfarelando e, como muitos empréstimos estavam garantidos por papéis que valiam o que pesavam, bancos faliram aos milhares.
O efeito dominó se estendeu para setores produtivos, que se viram sem recursos para continuar funcionando. Indústrias frearam seu ritmo, e as importações despencaram. Sem dinheiro, a população teve lidar com a onda de desemprego, que atingiu um terço dos trabalhadores dos EUA. A crise cíclica atingiu o resto do mundo.
Bolha das 'Ponto com'
No fim dos anos 1990, as empresas que atuavam na internet eram a cara do que se chamava “nova economia”. Negócios online ignoravam os fundamentos da economia e apostavam que tudo podia ser oferecido ou vendido pela internet –daí o “ponto com”.
A proposta da Webvan, por exemplo, era entregar em até 30 minutos as frutas, os legumes e as verduras vendidas pela internet. Os desafios logísticos associados ao comércio online de perecíveis não foram solucionados ainda hoje, quase 20 anos depois. Ainda assim, a empresa recebeu investimentos de US$ 400 milhões.
Só que ela era peixe pequeno. Na época, o Yahoo dava as cartas no mundo da tecnologia. E tinha bastante dinheiro para gastar. Quando a velocidade de internet mal dava para transferir arquivos de áudio, a empresa queimou US$ 5,7 bilhões na compra do site de vídeos Broadcast. O YouTube, a maior plataforma de vídeos, custou ao Google a "pechincha" de US$ 1,65 bilhão.
No começo de 2001, os preços das ações despencaram. Alguns analistas argumentam que isso foi uma reação dos investidores aos balanços financeiros dessas empresas, que mostravam um desempenho pífio no fim do ano anterior, justamente quando o varejo mais lucra. O tombo foi tão grande que a Nasdaq, bolsa em que os papéis de boa parte das “ponto com” eram vendidas, chegou a perder quase 80% de seu valor.
Bolha imobiliária ou crise do "subprime"
Detonada em meados de 2007, a crise imobiliária foi alimentada pela concessão de empréstimos hipotecários de alto risco nos Estados Unidos.
Era uma época em que os preços dos imóveis cresceu desproporcionalmente. Os mutuários, que sequer haviam quitado as parcelas, conseguiam novos empréstimos, dando os imóveis como garantia. Com valores sempre maiores, os títulos eram usados para liquidar os anteriores, em atraso. Só que o imóvel dado como garantia era sempre o mesmo.
Esses empréstimos hipotecários eram concedidos mesmo para pessoas sem histórico de crédito ou capacidade comprovada de pagamento. O grupo era chamado de mercado "subprime".
Quando os juros voltaram a subir e o preço das casas começou a desabar, a bolha estourou. As prestações saltaram e houve inadimplência em massa. Milhões de famílias contraíram dívidas com bancos superiores ao valor dos imóveis.
O preço médio das residências caiu quase 50%. Cerca de cinco milhões de casas foram retomadas e a construção de novas unidades despencou.
O governo dos EUA teve de injetar bilhões de dólares para ajudar mutuários a refinanciar contratos, salvar da bancarrota seguradoras, bancos e refinanciadoras de hipotecas. A quebradeira de bancos, iniciada com o Lehman Brothers, gerou uma crise fiscal nos EUA, que se estendeu para a Europa e foi sentida em todos os lugares do mundo.


Data de Publicação: 30/11/2017 às 19:00hs
Fonte: G1

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