sexta-feira, 30 de agosto de 2019

Abalada, Lava Jato corre risco de revisão



Publicado em 30/08/2019 16:50


Por Ricardo Brito
BRASÍLIA (Reuters) - A decisão da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF) de anular pela primeira vez uma sentença da Lava Jato e o vazamento de mensagens atribuídas ao ex-juiz da operação Sergio Moro e a procuradores da força-tarefa colocam em risco a maior investigação de combate à corrupção no país, que chega aos cinco anos em seu pior momento, com a perspectiva de derrotas.
"Não há dúvida (que a Lava Jato vive seu pior momento). Mas a operação é forte o suficiente para resistir porque ainda conta com o apoio da maioria da população. Entretanto, estamos sitiados por ataques de todo o sistema político", admitiu Carlos Fernando dos Santos Lima, procurador da República aposentado e que foi um dos principais integrantes da força-tarefa.
Investigados e condenados na operação já começaram a apresentar recursos ao STF para garantir a extensão da decisão que invalidou a condenação do ex-presidente da Petrobras Aldemir Bendine. Com base nesse precedente, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, condenado mais notório da Lava Jato, já conseguiu uma pequena vitória na corte ao obter o direito a apresentar alegações finais antes dos réus delatores no processo do Instituto Lula -- uma ação que estava pronta para ser julgada.
A esperança de advogados de envolvidos na Lava Jato é que com esse flanco aberto os tribunais e o STF comecem a revisar e até anular decisões da operação. A defesa de Lula, por exemplo, faz uma ofensiva na corte com recursos que contestam procedimentos e alegam parcialidade de Moro e procuradores após as divulgações feitas pelo site The Intercept Brasil e outros veículos de mensagens atribuídas ao ex-juiz da operação e a procuradores para derrubar os três processos contra o petista: além do relativo ao Instituto Lula, o do tríplex, pelo qual foi condenado e cumpre pena há mais de 500 dias; e o do sítio de Atibaia.

Para o advogado de Lula, Cristiano Zanin Martins, o momento --após as reportagens e a decisão da Segunda Turma-- é "oportuno" para que o Supremo ponha fim ao que considera "cenário de abusos" cometido pela Lava Jato contra o ex-presidente.
Segundo a força-tarefa da operação no Ministério Público Federal (MPF), esse entendimento adotado no caso Bendine poderá levar à anulação de 32 sentenças envolvendo 143 dos 162 réus condenados na Lava Jato.
"As mensagens divulgadas pelo Intercept e outros órgãos de imprensa mostram que o ex-juiz Sergio Moro comandava e orientava todas as ações dos procuradores. Nunca houve um juiz propriamente julgando o ex-presidente Lula, o que havia era um coordenador da acusação", disse ele, para quem os procuradores da operação agiram motivados por "ódio" e "desapreço" contra o petista.
Procurado, Sergio Moro não quis se manifestar sobre a decisão da Segunda Turma e sobre declarações da defesa de Lula.
A pessoas próximas, segundo uma fonte ligada ao ministro da Justiça, Moro tem dito não acreditar que haverá uma mudança de foco na Lava Jato após a decisão do Supremo e que o plenário vai restringir o alcance desse precedente. O ministro Edson Fachin, relator da operação na corte, levou outro caso semelhante para que os 11 ministros decidam a questão em plenário.
DESGASTE
O ministro da Justiça defende sua atuação na Lava Jato e também tem negado a autenticidade das mensagens divulgadas, alegando ainda que elas não mostram qualquer irregularidade na condução de ações da operação.
A força-tarefa do MPF da Lava Jato também. Para o procurador da República Marcelo Ribeiro, integrante do grupo, há um conjunto de descontextualização, edição e modificação de conteúdo que acaba levando a uma "exposição pública dos colegas". Ele admite que essa situação atrapalha os trabalhos da força-tarefa.
"Uma vez expostos, inclusive com conteúdo não reconhecido e alguns evidentemente alterados, claro que a gente perde tempo com isso. Não dá para falar que não há desgaste, seria ingênuo", disse Ribeiro, que ingressou no grupo este ano.
No STF, segundo duas fontes da corte, a avaliação é que o plenário deverá em breve arbitrar a extensão do precedente aberto com a decisão sobre Bendine. Entre as teses, será avaliado se o momento da apresentação das alegações finais vai valer para todos os réus ou apenas para aqueles que expressamente pediram em juízo.
Crítica à operação, uma dessas fontes afirmou à Reuters que os dois fatos --reportagens do site The Intercept e decisão sobre Bendine-- indicam que o Supremo conseguiu um "respiro" para julgar sem pressão casos da Lava Jato.
"As pessoas começam a se colocar no lugar: e se fosse eu que iria pagar um advogado para me defender e o juiz fingindo que eu iria ser defendido, o negócio era acusar mesmo", afirmou a fonte, na condição de anonimato, referindo-se à suposta ação parcial de Moro no caso. "Eles (Lava Jato) não são super-heróis, intocáveis", reforçou, apostando num cenário mais favorável a contestações da operação no plenário da corte.
Reservadamente, um ministro do Supremo defendeu a decisão sobre Bendine à luz dos princípios que estão no Código de Processo Penal, chamando-a de "importante". Afirmou que se há um exagero quando se faz qualquer reavaliação de decisões da Lava Jato, lembrando que, por exemplo, a corte já arquivou denúncias e investigações baseadas em delações e proibiu conduções coercitivas de investigados, como ocorreu com Lula.
"O que se nota é que, como a Lava Jato buscou uma institucionalização para além do que se podia fazer, deixou de existir a Lava Jato e ela buscou um status que não tem e não deveria ter", disse esse ministro, ao avaliar que a operação já poderia caminhar para o fim dos trabalhos.
O procurador aposentado Lima classificou a decisão sobre Bendine de "totalmente equivocada", sem qualquer previsão legal e amparo no entendimento do próprio Supremo.
"Trata-se de uma decisão tirada da manga de alguns magistrados mandrakes para fazer voltar a velha jurisprudência de nulidades que destruíram tantas outras grandes operações na história", disse ele, para quem a maioria dos ministros da corte, "sensatos", vai rejeitar que esse entendimento ampliado prevaleça.
Para o ex-integrante da Lava Jato, há três ou quatro integrantes do Supremo que "desejam fazer valer atos criminosos para atenderem seus interesses em destruir a operação".
"Entretanto, ainda há Juízes, com maiúscula, no STF. A condenação de Lula já foi confirmada na sua análise fática, não restando discussão sobre a corrupção do ex-presidente. As provas estão aí para quem quiser ver e foram ampla e detalhadamente analisadas em 1° é 2° graus. Creio que não existe nenhuma nulidade a ser reconhecida e que a maioria do STF pensará da mesma forma", destacou.
O procurador Marcelo Ribeiro também discordou da decisão sobre Bendine e alertou que o impacto dela, a se prevalecer, poderia gerar também anulação de centenas de casos de tráfico e exploração sexual. Ele minimizou um eventual embate entre o Supremo e a Lava Jato.
“Não considero, embora respeito, que um entendimento divergente do nosso seja um puxão de orelha, um freio de arrumação. De modo algum. Tenho a consciência de que alguns tentam passar essa impressão, mas eu não consigo acreditar nisso”, disse ele.
"PLENO VAPOR"
Há duas semanas, a procuradora-geral da República, Raquel Dodge, prorrogou por mais um ano o trabalho da força-tarefa. São 15 procuradores destacados para os trabalhos e mais cerca de 30 servidores, segundo Marcelo Ribeiro. Balanço mais atualizado da força-tarefa da operação em Curitiba aponta que, até julho, foram oferecidas 101 denúncias contra 445 pessoas pelos mais variados crimes identificados durante a apuração. Em 50 ações penais já houve sentença, com a condenação de 159 réus.
Por meio de acordos de delação, leniências, Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) e renúncias voluntárias de valores, a operação já garantiu a recuperação de aproximadamente 14 bilhões de reais aos cofres públicos, que devem ser pagos ao longo dos próximos anos. Desse valor, 3 bilhões já foram efetivamente devolvidos para a Petrobras no âmbito da Lava Jato.
Ribeiro disse que o trabalho da Lava Jato está a "pleno vapor" e destacou que a quantidade de denúncias e operações deflagradas este ano mostram que ela atua com a mesma intensidade.
"Sendo bem franco, eu acredito que a gente não está no meio do caminho. Há muito o que se fazer. A cada fase esse ano, foram várias, surge um manancial de outros envolvidos, outros esquemas, Parece que a coisa não tem fim", disse o integrante.
"Talvez seja o desejo de muita gente (acabar com a operação), mas isso não é uma realidade", completou.
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Fonte: Reuters

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