Publicado em 27/12/2019 02:31 e atualizado em 27/12/2019 09:45
BRASÍLIA (Reuters) - Incomodado com a reação à sua decisão de manter no pacote anti-crime a criação do chamado juiz de garantias, o presidente Jair Bolsonaro afirmou nessa quinta-feira que nunca fez acordos para vetar o artigo e disse que quem não gostou de sua decisão ou se sentir prejudicado pode mudar seu voto.
"Eu não fiz nenhum trato com ninguém sobre vetar o juiz de garantia. É um absurdo eu falar 'vocês aprovam aí que eu veto', isso é um contrassenso. Só uma pessoa sem caráter para pensar uma coisa dessas, mas tem parlamentares falando uma barbaridade dessas, querendo se eximir do que o Congresso aprovou", disse Bolsonaro em sua live semanal.
A decisão do presidente de manter a criação do juiz, que teria a incumbência de atuar durante a investigação criminal para assegurar que os processos legais estejam sendo seguidos, desagradou o ministro da Justiça, Sérgio Moro, e criou uma onda de reação nas redes sociais. Durante o feriado de Natal, a hashtag "Bolsonaro traidor" esteve nos principais tópicos do Twitter.
Irritado, o presidente afirmou que não pode agradar seus eleitores o tempo todo.
"Se entrar em vigor, eu não sei se vai entrar, se te prejudicar não vota mais em mim. Afinal de contas, se eu fizer 99 coisas a favor de vocês e uma contra, vocês querem mudar. Paciência, é um direito de vocês, eu sempre agi assim", disse. "Lógico que estou preocupado com o voto do eleitor, em fazer bem para o próximo, em agradar, mas eu não posso ser escravo de todo mundo, muita gente defende o juiz de garantia."
Entre as acusações feitas ao presidente está a de que estaria tentando proteger seu filho, o senador Flávio Bolsonaro, investigado por desvio de recursos públicos e lavagem de dinheiro pelo Ministério Público do Rio de Janeiro.
Incomodado com as acusações, Bolsonaro chegou a dizer que irá bloquear seguidores que levantaram as questões familiares para criticá-lo.
"Falam e ligam a alguma coisa familiar, me desculpam aqui: sai fora da minha página. Se não sair, eu vou para bloqueio. Eu aceito críticas fundamentadas, mas tem muita gente falando abobrinha", reclamou.
"Me desculpa, eu não vou poder agradar vocês em tudo o que faço. Nos projetos que apresento, nas sanções, nos vetos, mas estou fazendo com a consciência tranquila. Não é para proteger ninguém, tá? Ficam aí as teorias das conspirações."
2022
Ao fazer sua última live do ano, Bolsonaro aproveitou para fazer elogios a seus ministros, inclusive a Moro, dizendo que ele tem "um potencial enorme" e está fazendo um trabalho "excepcional".
"Pessoal fala que ele vai vir candidato a presidente... Se o Moro vier, que seja feliz, não tem problema, vai estar em boas mãos o Brasil, e eu não sei se vou vir candidato em 2022. Se estiver bem pode ser que eu venha, se não estiver, estou fora. Já cansei de dizer, tem milhares de pessoas melhores do que eu para disputar uma eleição", afirmou.
Bolsonaro cobrou, no entanto, que seus seguidores não façam "aquele joguinho do fogo amigo para entregar para a esquerdalha como a Argentina fez" na próxima eleição.
"Aí vocês vão ver o que é bom para a tosse. Esses caras vão ficar 50 anos para sair daqui", disse.
CNJ cria grupo para avaliar criação do juiz das garantias
O presidente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Supremo Tribunal Federal (STF), Dias Toffoli, determinou hoje (26) a criação de um grupo de trabalho para avaliar a aplicação do mecanismo de juiz das garantias, previsto no projeto anticrime sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro na terça-feira (24).
Com a medida, o CNJ deverá apresentar formas de regulamentação da questão até meados de janeiro de 2020. Pela lei sancionada, a atuação do juiz das garantias começará a valer no dia 23 de janeiro, 30 dias após o ato de sanção da norma.
A lei, aprovada pelo Congresso Nacional, criou a figura do juiz das garantias nos processos criminais. Dessa forma, o magistrado responsável pela condução do processo não vai proferir a sentença do caso. O juiz que atuar na função deverá analisar somente pedidos de prisão, quebra de sigilo bancário e telefônico, busca e apreensão e outras medidas.
Após a sanção, a Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) afirmou que criação do juiz das garantias é inconstitucional e que vai recorrer ao STF para suspender a aplicação da norma.
Juiz de garantias só vale para casos novos, diz autora da proposta
Brasília - Autora da proposta de criação do juiz de garantias, aprovada pelo Congresso e sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro, a deputada federal Margarete Coelho (PP-PI) afirmou ao jornal O Estado de S.Paulo que as investigações que já estavam em andamento não serão afetadas pela medida.
"No meu entender, não haverá alterações nos processos em andamento. Apenas nos novos processos e à medida em que o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e as Corregedorias distribuírem as funções e designarem os juízes de garantias", disse deputada nesta quinta-feira, 26.
A deputada comemorou a aprovação da lei e negou que a medida seja uma resposta à Lava Jato e afirmou que a própria Justiça Federal do Paraná já utiliza o juiz de garantias. "A juíza Gabriela Hardt atua só na fase do inquérito policial, antes do oferecimento da denúncia. Portanto, o juiz de garantias não vai alterar em nada a situação da Lava Jato. Só estender a 'boa prática' da Lava Jato a outros juízos!", disse. Segundo a Justiça Federal do Paraná, no entanto, a designação da juíza não tem relação com o que a nova lei estabeleceu para "juiz de garantia".
Além de propor o juiz de garantias, Margarete Coelho coordenou o grupo de trabalho da Câmara dos Deputados, responsável por formular o texto que adaptou as propostas do ministro da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro, e do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Na entrevista, ela defendeu a lei sancionada nesta quarta-feira, 25, pelo presidente Jair Bolsonaro.
"Na minha visão, acho que a gente conseguiu um texto extremamente garantista, o que é muito difícil no Brasil de hoje em dia. Você hoje defender a Constituição é visto como defender bandido, é porque você tem rabo preso. Eu realmente acho que temos um texto garantista, no sentido da Constituição. O garantista é aquele que preserva a Constituição", disse Margarete Coelho.
A deputada federal afirmou que a criação do juiz de garantia não é uma resposta ao ministro Sérgio Moro nem à Lava Jato e que foi proposta antes da publicação de reportagens pelo site The Intercept Brasil expondo diálogos supostamente travados por autoridades atuantes na operação.
"Não tem, gente, olha, sinceramente, graças a Deus, não tem absolutamente nada a ver com Moro", disse. Só em agosto, no entanto, quando as mensagens já tinham ganhado o noticiário, o tema foi discutido pelo grupo, como o jornal O Estado de S.Paulo revelou.
A deputada foi elogiada pelo presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), no plenário, no momento da aprovação do pacote anticrime. "Parabéns a todos, principalmente ao grupo, que foi coordenado por uma deputada, sempre mais competente que nós deputados! Temos que admitir", disse.
Margarete ainda rebateu críticas de burocratização das investigações. "Não criou-se nenhuma fase nova, apenas se dividiu essa fase do inquérito, administrativa. De agora em diante, o juiz que vai acompanhar essa fase de inquérito, decidindo sobre os atos dos investigadores, vai ser um e o juiz que vai instruir e julgar o caso vai ser outro", disse.
Leia os principais trechos da entrevista:
Como a sra. vê a viabilidade da implementação do juiz de garantia?
Eles dizem que estamos criando novas vagas de juízes, não é verdade. Hoje no Estado de São Paulo funciona com essas varas há mais de 20 anos, aqui no Estado do Piauí também funciona. Eu ouvi um advogado dizendo que vai se anular casos, processos. Nunca na vida. Não existe essa possibilidade. De agora em diante onde houver condições iniciais o juiz que vai acompanhar essa fase de inquérito vai ser um, e o juiz que instruir e julgar vai ser outro.
Vai valer para casos para inquéritos que estão em andamento?
Não. A partir de agora, os processos novos que chegarem. Não está se anulando fase para trás, não há essa possibilidade, ela é completamente impensável. A partir do momento que o CNJ regulamentar e fizer a composição das comarcas dessa forma, ele passa a funcionar. Não existe isso de entrar automaticamente em vigência nenhuma lei, toda lei tem fase de transição. Nesse caso precisa ser regulamentado. E quem tem de regulamentar é o CNJ. Eu ouço que vamos ter de contratar juízes para 40% das comarcas. Existem várias comarcas no Brasil sem juiz.
Como a senhora rebate as críticas de associações de procuradores e magistrados, bem como do próprio ministro da Justiça, Sérgio Moro?
Veja, dizer que isso foi ataque ao ministro Sérgio Moro não é verdade. Quando trouxemos o juiz de garantias para o debate ainda não havia acontecido aqueles vazamentos do The Intercept. E uma outra questão: o juiz de garantia já funciona na Lava Jato, em Curitiba já existe. Há uma juíza que faz toda parte do inquérito e há um juiz que instrui e julga. Então por que vai provocar nulidade? A própria chamada República de Curitiba optou por usar o juiz de garantia. Eu acho que toda novidade, toda mudança traz desconforto. Mas tenho certeza que o juiz de garantia é um grande avanço.
(Questionada pelo Estado, a 13ª Vara informou que 'A Dra. Gabriela Hardt atua nos processos da Lava Jato em fase anterior ao oferecimento da denúncia ou então posterior à sentença, conforme Portaria. No caso de férias do juiz titular da 13ª Vara Federal de Curitiba, por exemplo, a magistrada atua em todas as fases do processo. Portanto, a designação dela não é para praticar os atos que o novo texto do CPP atribui ao "juiz de garantia"'.)
Os relatores da Lava Jato terão de dividir a tarefa nos inquéritos? Caso do ministro Edson Fachin, no Supremo, e do juiz Marcelo Bretas, no Rio de Janeiro?
Eu só posso te responder com exemplo bem prático, como acontece em Curitiba. Mas o que a gente não pode esquecer é que esse juiz é na fase de inquérito, pré-judicial, antes de oferecida a denúncia. Depois de oferecida a denúncia, acabou o juiz de garantia, e é nessa fase que o Fachin e os outros atuam.
Os inquéritos que estão no Supremo em andamento e tem o ministro Edson Fachin como relator necessitariam de um novo juiz de garantias?
Essa é a parte administrativa e da regulamentação. Vai depender do CNJ, vai depender do que o presidente do Supremo disser.
O prazo de 1 mês para implementação da nova lei foi muito criticado. É viável?
Esse é o prazo de regra, prazo de toda lei, é o comum, é o normal. Mas é claro que, no caso que precisar de regulamentação, como é o caso do juiz de garantias, só (entra em vigor) depois que o CNJ se manifestar. Veja que o presidente do CNJ em momento algum se manifestou a respeito disso, porque ele está ciente. Eu acho que esse debate está em torno do juiz de garantias por uma queda de braço, porque o Moro fez questão, porque o Bolsonaro entendeu que é bom. A Associação Brasileira de Magistrados (AMB) falou depois e está falando agora, mas à época acompanhou todos os fatos e não houve incompreensão a respeito desse instituto. A manifestação contra só veio depois da aprovação. Muitos magistrados que acompanharam só falaram vantagens. Ministro Alexandre de Moraes, que foi secretário de Segurança Pública no Estado de São Paulo, só falou vantagens do juiz de garantias.
Qual é o saldo da lei aprovada na visão da senhora?
Na minha visão, acho que a gente conseguiu um texto extremamente garantista, o que é muito difícil no Brasil de hoje em dia. Você hoje defender a Constituição é visto como defender bandido, é porque você tem rabo preso. Eu realmente acho que temos um texto garantista, que foi debatido com a sociedade exaustivamente, foram nove meses de debate. É um texto garantista, maduro, apto a melhorar a questão penal no Brasil.
(por Breno Pires, de O Estado de S. Paulo).
Fonte: Reuters/Estadão
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