sexta-feira, 30 de agosto de 2013
Aracaju é a única capital onde 45% dos devedores não conseguem cumprir seus compromissos
Aracaju é a única capital onde 45% dos devedores não conseguem cumprir seus compromissos
30/08/2013 23h36
O estado registra números alarmantes: 100 mil pessoas na lista negra do Serviço de Proteção ao Crédito. A cidade é, pelo segundo ano consecutivo, a campeã brasileira da inadimplên
Um litoral ensolarado, com um centro bonito e comércio farto. Aracaju, em Sergipe, se destaca pela qualidade de vida. Mas todo paraíso tem instabilidades. Lá, o clima muda radicalmente na hora de pagar as contas.
O estado registra números alarmantes: 100 mil pessoas na lista negra do Serviço de Proteção ao Crédito. Aracajú é a única capital onde 45% dos devedores não conseguem cumprir seus compromissos. Estão literalmente no vermelho.
Em uma das principais ruas do comércio de Aracaju, não importa a hora, não tem tempo ruim, está sempre cheia. Nem parece que a cidade é, pelo segundo ano consecutivo, a campeã brasileira da inadimplência.
“O pessoal aqui gosta de se vestir bem e estar com o carro do ano. Apesar de ter caído os créditos, a população de Aracaju continuou comprando”, conta Abel Gomes da Rocha Filho, da Fecomércio-SE.
Ofertas tentadoras, parcelamento. Crédito fácil. Como resistir? Giseli aproveita cada momento para olhar as vitrines. Vinte anos, vaidosa, os olhos brilham com as novidades. “Eu não posso ver uma roupa que eu vou e compro. Eu já estourei limite”, confessa.
Uma amiga vai sempre junto, incentiva as compras. De dia, ela não se importa de usar roupas simples. Mas quando a noite chega, no samba, com o namorado, ela nunca repete o visual.
Dor de cabeça, só na hora de fazer as contas: ”Eu tenho que parar, mas eu não consigo”, diz.
Roupa é a grande paixão de Giseli. É no armário onde ela guarda o que considera um tesouro, onde mantém os investimentos que fez nos últimos anos. Só que para adquirir tudo isso, gastou o dinheiro que tinha e o que não tinha.
Na cama ela exibe o tamanho da dívida: cerca de R$ 2 mil em quatro cartões de crédito. Mais que o dobro da renda familiar.
“Assim que eu fiquei maior de idade, eu quis logo fazer meu cartão para ter essa liberdade”, conta.
E quando o pagamento no cartão não é aprovado... “Eu uso os das minhas amigas ainda. Porque o limite delas é maior do que o meu”, disse Giseli Bispo, autônoma.
Mas isso não é nada bom, lembra o professor Wagner Nóbrega, da Universidade Federal de Sergipe.
“Uma situação complicada financeiramente em que coloca em risco, como ela está fazendo quando empresta o cartão dos colegas, a saúde financeira também de outros”, aponta Wagner Nóbrega, economista da UFS.
Como diz o ditado popular: Tal mãe, tal filha. Dona Joselita dos Santos também adora comprar e também acumulou dívidas. “Juntando assim chega uns R$ 3 mil com tudo”, afirma a empregada doméstica.
E família que deve unida... Mãe e filha se aliaram na mesma estratégia: vão tentar parar de comprar, começar a poupar para negociar tudo o que devem. Dona Joselita já fez até promessa: “Meu sonho é parar de dever”.
Sonho que José Barreto E Katia estão prestes a realizar. Até o fim do ano, eles pagam as últimas parcelas que foram negociadas com o cartão de crédito e a companhia de água.
Um pesadelo que durou quase cinco anos. A dívida deles chegou a R$ 40 mil.
“A gente construiu uma pousada e aí tudo ia andando bem. De repente, no ano de 2008, tudo começou a mudar. E 2009 e até 2010, foi um grande sufoco, as dividas foram se acumulando, os cartões de crédito começaram a atrasar e foi um sufoco”, conta José Barreto Cavalcante, microempreendedor.
Os dois não demoraram a entender que era inútil resistir, logo começaram a fazer modificações significativas no dia a dia da família. A pousada, por exemplo, virou moradia. Quartos de hóspedes foram transformados na sala de estar.
“E começamos a mudar nossa rotina, nossos filhos passaram a estudar em escola pública”, lembra José Barreto.
No lugar do carro, uma bicicleta. Gabriele vai para a escola na garupa do pai. Na garagem vazia, José construiu um anexo. Uma pequena loja que hoje ele aluga. Katia conseguiu conciliar dois empregos. E nas poucas horas livres, passou a vender cosméticos. Mas, e o consumo da família?
“Uma coisa que ele sempre me falava: ‘Se você pode pagar a vista, vamos pagar a vista”, conta a professora Kátia Cristina Mendonça.
No meio das adaptações, a recepção da pousada virou uma gráfica rápida. Ela tem garantido a tranquilidade da família, mas Barreto quer ir além.
“Minha estratégia é trabalhar com planejamento. ter uma reserva, uma poupança e a empresa ter sempre um capital de giro”, conta.
Para o professor Wagner Nóbrega, duas atitudes foram fundamentais para José conseguir dar a volta por cima.
“Principalmente a coragem de recomeçar que poucas pessoas têm, acho que muito poucas. Talvez até eu. E de investir em família”, afirma o professor.
Hoje o casal reconhece: a crise rendeu bons dividendos. Eles estão mais unidos do que nunca.
Repórter: O que você acha que aprendeu de mais importante, mais precioso com tudo que aconteceu na sua vida?
José Barreto: A viver. Foi um momento difícil e também necessário porque aprendi muito e vou levar para o resto da minha vida e passar para meus filhos.
A filha Gabrielle, de 8 anos, está atenta. “Eu tenho que botar metade do dinheiro no cofrinho e a outra metade eu gasto. Eu vou ficar rica”, conta Anne Gabriele Cavalcante, de 8 anos.
GLOBO REPÓRTER
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