sexta-feira, 30 de agosto de 2013

Jovens recebem aulas de economia em projeto e ajudam pais a controlar as finanças

Jovens recebem aulas de economia em projeto e ajudam pais a controlar as finanças 30/08/2013 23h36 A lição na lousa é simples. Todo mundo sabe que é preciso gastar menos do que se ganha. Por que então é tão difícil colocar em prática essa regra básica da economia e do orçamento Ninguém aprende a fazer compras na escola? Ou será que aprende? “A gente vai fazer a dinâmica do supermercado de novo. Vocês vão ter que pesquisar e comprar tudo da lista que passamos para vocês. 10kg de arroz, 2kg de feijão. 2 litros de óleo, e vocês tem só R$ 100 pra fazer essa compra toda”, diz a professora. Se é difícil na sala de aula, imagina na vida real. Ainda mais com papéis invertidos. Márcia é a mãe gastona. A filha Mayara é quem segura as pontas. É uma guerra contra os gastos desnecessários, que exige disciplina e resistência. Tudo isso Mayara conheceu no curso inventado e desenvolvido por alunos de economia da USP de Ribeirão Preto. O grupo de voluntários vai até as escolas públicas da região para ensinar, de um jeito divertido, o que eles descobriram que muita gente não consegue: controlar o próprio dinheiro. A lição na lousa é simples. Todo mundo sabe que é preciso gastar menos do que se ganha. Por que então é tão difícil colocar em prática essa regra básica da economia e do orçamento familiar? É possível aprender a gastar com responsabilidade? A turma está convencida de que é. “A gente tenta ensinar que você não precisa ter muito ou pouco pra cuidar do seu dinheiro. Importante é ter uma relação saudável com seu dinheiro, independente do quanto seja. Como qualquer reeducação. Como comer melhor, ter uma vida mais saudável, Eu tenho que me perguntar: ‘eu preciso disso agora?’ Se eu preciso disso agora, ‘eu posso pagar?’”, revela Patrícia Castilho, estudante Economia - USP O importante é não torrar tudo de uma vez. No exercício, os alunos ganharam R$ 100. Patrícia: Quando deu? Aluna: 42,49. Aluno: 42,30. Patrícia: Compraram tudo num mercado só? No que era mais barato, né? Dicas como esta estão ajudando as duas de verdade no supermercado. Globo Repórter: Quanto deu? Márcia: R$ 61,92. Globo Repórter: Quanto daria se você viesse sozinha? Márcia: Uns R$ 250. Mas nem sempre foi assim. Um ano atrás, Márcia vivia um drama pessoal. “Eu tive uma recaída de um tratamento de depressão, nessa recaída foi que caiu a questão de comprar. Eu me tornei consumista de um dia para o outro. Eu ia no supermercado, mesmo que eu tivesse tudo em casa, eu passava pra comprar mais alguma coisa, pra me acalmar”, conta Márcia Aparecida de Carvalho, inspetora de alunos. Globo Repórter: O seu salário durava quanto tempo? Márcia: Dois dias, no máximo. Globo Repórter: E as contas de luz, água? E como você pagava as outras coisas? Márcia: Eu pegava o limite do banco, pegava emprestado da minha mãe. Sem dinheiro e com cada vez mais contas para pagar, Márcia entrou em desespero. A barra pesou tanto que acabou afetando a saúde. Ela chegou a faltar no emprego. E foi nessa hora que veio uma ajuda de quem ela não esperava. Da Mayara, a filha de 14 anos. A menina percebeu que a lição de economia era o remédio que a mãe mais precisava. Globo Repórter: E aí você tomou o orçamento da casa? Mayara Agnes de Carvalho, 14 anos Tomei. Falei pra ela que não dava mais. “Foi aí que ela começou a me seguir no mercado, nas lojas. Pegava o papel da promoção. Fazer orçamento em um lugar, em outro pra diminuir o gasto e economizar”, conta Márcia. Globo Repórter: Como está a saúde da sua mãe agora? Mayara: Melhorou. Ela não fica triste mais. Globo Repórter: Você esperava uma ajuda assim? Márcia: Não. Antônio Machado, trabalhador rural: Não. Porque a gente é criado num regime chucro, mas eu disse ‘vou dar razão pra filha?’. Seu Antônio mora com a mulher e os cinco filhos numa casinha simples, em uma fazenda de café, em Altinópolis, interior de São Paulo. Globo Repórter: Só o senhor que tem salário aqui? Antônio: Só eu que tenho salário. Despesa, medicamento, roupa, tudo tem que trazer num caderninho e trazer na ponta do lápis. No ritmo ditado pelas colheitas, no sossego do café revirado ao sol no terreiro, a vida sempre foi tranquila, até aparecer o que era uma novidade na roça: o cartão de crédito. Seu Antônio acabou se enrolando. Globo Repórter: O que o senhor comprou primeiro no cartão de crédito? Antônio: Um aparelho de DVD. Parcelei em 10 vezes. Foi onde eu cai no vermelho, foi nessas taxinhas aí. Só que alguém estava atenta. Jaqueline tinha feito o curso da USP na escola e sabia ajudar. Mas como falar com o pai, orgulhoso, sobre um assunto tão constrangedor? “Eu tinha vergonha. A maioria das coisas eu não falo pra ele. Eu achava que ele não ia ligar. Eu achava que ia entrar por um ouvido e sair por outro”, diz Jaqueline Machado, estudante. Globo Repórter: Quanto tempo o senhor ficou no vermelho? Antônio: Um ano. Um ano quebrando a cabeça pra saber o que eu fazia, qual a solução que eu ia tomar. Você não trabalha, não come direito A necessidade colocou pai e filha na mesma mesa, na mesma luta. Jaqueline ensinou que com juros qualquer compra fica mais cara. E fez a lista do supermercado, bem mais enxuta. Só com o essencial. Quando eles compararam. A família equilibrou as contas e os nervos. Mas nem tudo mudou. Ainda bem. O apetite dessa turma continua o mesmo. “A maior despesa é só comida. Tudo bom de garfo. Hoje até chega uma cartinha me oferecendo cartão e eu falo: ‘vixe. Jogo pro terreiro, dou na mão do menino pra brincar e falo, isso aí eu não quero mais, não’”, conta Antônio. Mas será que a culpa é do cartão de crédito? “De maneira alguma. O cartão de crédito pode ser, pra alguns, muito positivo, mas o que é errado é usar o cartão e não pagar. Porque vai correr um risco grande de dívidas muito elevadas. Porque a taxa de juros é muito alta e cresce ao redor de 10% ao mês. Dá 150%, 160% ao ano”, responde Alexandre Nicollela, professor de economia FEA-USP. Cartão de crédito, cheque especial, imprevistos. Com o Vanderlei, de Ribeirão Preto, aconteceu um pouco de tudo. Há dois anos, o pintor de carros pagava aluguel e se endividou quando começou a construir a casa própria. Assustado com as dívidas, Vanderlei tomou uma medida radical: mudou para a casa que ainda nem estava pronta. As coisas melhoraram. Principalmente quando ele montou a oficina ao lado de casa. Mas no meio da obra, o imprevisto: “Aí eu tive que marcar uma operação. Uma hérnia inguinal. Aí fiquei um pouco enrolado com as minhas contas, porque você tem que ficar parado, não pode trabalhar”, conta Vanderlei Justino de Oliveira, pintor. Sem renda e com as despesas acumulando, o valor da dívida chegou a dois salários do pintor. Para ele, o alívio veio do esforço: Vanderlei vem de uma família muito simples. Deixou de estudar quando era criança. Há dois anos, ele voltou a estudar à noite. E no cursinho de economia da USP, aprendeu o B-A-ba da economia: o orçamento. “Separar a nossa renda em três caixinhas: um para as contas fixas. outras para as contas que a gente não espera. e a terceira é para o prazer, para as coisas boas da vida, né, não adianta você ganhar e não poder gastar, gastar com consciência, né?”, ensina Vanderlei. “O resultado foi bem maior do que o que a gente esperava. A gente teve uma influência em algumas famílias que a gente nunca imaginou que teria”, revela Alexandre Nicollela, professor FEA-USP. GLOBO REPÓRTER

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