domingo, 31 de agosto de 2014
Agricultores do Cerrado desistem de plantar por causa da seca
Falta de chuva altera época de plantio e afeta formação das plantas.
Globo Rural percorreu São Paulo, Minas Gerais, Goiás e o Distrito Federal.
31/08/2014 08h45 - Atualizado em 31/08/2014 09h24
Do Globo Rural
Céu azul, sem nuvem, solo rachado. O cenário no Cerrado é de sertão nordestino. O Cerrado engloba vários estados, pouco mais de dois milhões de quilômetros quadrados. Como parte dele está em uma região alta, o Planalto Central, é onde a água se acumula, pra depois escoar, contribuindo para a formação de oito das doze bacias hidrográficas do país.
Atravessando a represa de Três Marias, no Rio São Francisco, chega-se a Morada Nova de Minas. Troncos e galhos não ficavam à mostra na região desde que o reservatório foi criado na década de 60. Em 2001, ano do apagão elétrico, a represa operou com 8,6% da capacidade. Nesta semana, o volume útil já chegou a 7,7%.
“Nós temos uma estimativa pessimista quanto a questão da recuperação do lago de pelo menos três anos para o limite máximo dele, desde que o índices venham a ser de média a regular”, declara Eduardo Moreira, extensionista - Emater/MG.
A região depende totalmente da irrigação: 60% das terras usadas na agricultura deixaram de ser cultivadas por causa da seca. A área da represa de Três Marias, passa pela propriedade do agricultor Renato Braga. Era dela que ele captava água para irrigação. “Está assim seca desde novembro do ano passado. Não consegui captar nada, nem com a balsa de captação do pivô”, afirma.
A propriedade de Renato Braga tem 38 hectares. Ele colheu milho em novembro do ano passado. Com medo da falta d'água, preferiu nem se arriscar a plantar feijão. Parou o pivô e alugou a área, ainda com a palhada do milho, para o pastejo do gado do vizinho. Investe agora num cultivo de melancia irrigada, mas por gotejamento. “Pra manter a alimentação, a minha vida, optei por isso. Agora a lavoura está florando, ainda tem 60 dias de lavoura. Preciso dessa água em 60 dias ainda”, diz.
O gerente de outra fazenda explica os custos de um pivô parado. “Tem um custo do investimento, porque foi investido no equipamento, bombeamento, preparo de solo, funcionário que depende dessa atividade, se não está faturando tem esses custos fixos. Os funcionários que estariam trabalhando estão sendo remanejados. Tem outras atividades na fazenda, então estamos conseguindo mantê-los por enquanto”, diz João Paulo de Souza, gerente da fazenda.
Em uma propriedade no interior de São Paulo, há cinco meses as colheitadeiras estão nos canaviais, mas agora que os reflexos da seca estão evidentes. A cana está menor e com menos teor de açúcar. “quando tinha umidade favorável para a cultura, os colmos, a distância entre dois nós era bem maior. Com a estiagem houve a diminuição dos entrenós”, explica Altair Marchi, agrônomo.
O agricultor Valter Souza tem 1.200 hectares de canaviais em Jaboticabal. A área plantada em abril não vingou até agora. “Eu perdi em torno de 18% da produção”, afirma.
Os dados sobre a seca são coletados em 150 estações meteorológicas. As informações de todo o estado chegam a cada 20 minutos. “Dois terços do estado estão em situação grave ou extremamente grave pela falta de chuva. Na estação chuvosa, que vai de outubro a março, esse foi o ano mais seco em 124 anos”, alerta Orivaldo Brunini, Agrônomo – IAC.
Outra cultura que sofreu muito com a seca foi a laranja. “Nós acréscimos que no final da colheita, o numero vai ser de 25 a 30% de quebra em decorrência do tamanho da fruta, do rendimento para o produtor”, declara Marco Antônio dos Santos, presidente da Câmara Setorial de Citricultura.
O produtor Nivaldo Davoglio tem um pomar em Taquaritinga. Para salvar a safra ele resolveu aproveitar a água de um poço da propriedade e implantou um sistema de irrigação na área plantada com a laranja pêra. “Do jeito que esta a situação, se não irrigar, fica pra trás”, diz.
Ter água é ter produção, ter renda. Por isso ela é artigo valioso e disputado. No município de Paracatu, em Minas Gerais, o rio Entre Ribeiros foi considerado área de conflito há cerca de 8 anos porque a quantidade de água utilizada na irrigação era maior do que a capacidade do rio. Então os agricultores foram obrigados a se organizar pra fazer um uso adequado.
Os agricultores formaram condomínios, grupos de irrigantes que têm autorização pra retirar água de um mesmo rio. Enrique Gual, engenheiro agrícola, é o responsável desde 2007 por monitorar a vazão em doze pontos do rio Entre Ribeiros.
Foi uma exigência do órgão ambiental pra que os agricultores continuassem a retirar água pra irrigação. “Agora a vazão está em 7 metros cúbicos por segundo. O normal seria 11. O mínimo é até 4 metros cúbicos por segundo, daí não pode mais retirar água”, explica.
A régua que aponta o nível do rio, nesta época, deveria estar em 90 centímetros, mas aponta 69. Bem próximo dos 50, o nível mínimo pra garantir a irrigação. Por isso, os agricultores estão enfrentando restrições.
“A gente vem reduzindo a época de plantio. O ano passado nós plantamos até 30 de junho, e esse ano até 30 de maio. A partir de 30 de maio ninguém mais plantou por isso estamos aí com estas áreas paradas, sem irrigação, deixando de produzir alimentos”, informa Luiz Noronha, presidente da Associação de Produtores do Entre Ribeiros.
O condomínio tem 41 propriedades com três mil hectares irrigados. Mil estão parados. “Antigamente a gente irrigava no bico da botina, a gente fala aqui. A gente molhava e com o bico da botina ia ver se tinha molhado o suficiente”, conta Gilberto Appelt, agricultor.
Appelt faz parte do condomínio. Ele diz que a tecnologia nas lavouras evoluiu muito. Hoje é possível monitorar a umidade do solo, o clima, e nem com tudo isso se podia prever uma seca como esta. “Nós íamos plantar feijão. A semente está no galpão, o adubo também.
Já perdeu o poder germinativo, o vigor. É uma semente que está perdida”, diz.
Norton Komagomi é agricultor do Paraná há 21 anos e nunca enfrentou tamanha restrição. “Já tivemos problemas, mas de não poder plantar é a primeira vez. Vão ser 90 mil reais que deixam de entrar”, avalia.
tópicos:
Distrito Federal, Economia, Goiás, Jaboticabal, Minas Gerais, Morada Nova de Minas, Paracatu, Paraná, São Paulo, Taquaritinga, Três Marias
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