domingo, 31 de agosto de 2014

Produtores economizam e aumentam o volume de água em propriedades

Estudo monitora há dez anos a vazão de um rio próximo a Brasília. Projeto orienta agricultores a economizar e otimizar o uso da água. 31/08/2014 09h00 - Atualizado em 31/08/2014 09h28 Do Globo Rural Existem especialistas constantemente de olho no nível dos rios. Em uma bacia experimental da Embrapa, no Distrito Federal, 100 quilômetros quadrados de área são monitorados há 10 anos. A ideia é acompanhar como os ciclos d'água estão se comportando em uma região agrícola do Cerrado. O pesquisador Jorge Furquim, da Embrapa, é responsável pelo monitoramento, feito no Rio Jardim, em Planaltina. O rio pertence à Bacia do São Francisco. Um pequeno aparelho com uma hélice, chamado de molinete hidrométrico, é colocado dentro da água pra medir a velocidade do rio em diferentes pontos. Outra aparelho registra o nível da água. “Hoje estão passando 500 litros por segundo nesse curso de água. Há dez anos atrás, nessa mesma época do ano, estava passando em média, cerca de 700 litros por segundo. O que nos traz uma interrogação a respeito do que está acontecendo com esse rio, uma vez que a bacia também não está mudando suas características de uso. Mais de 90% da área dessa bacia é usada pra agricultura”, avalia. O sinal de alerta está aceso e não para por aí. O pesquisador também instalou sessenta poços em propriedades rurais para acompanhar a profundidade do lençol freático, o reservatório subterrâneo de água. Na época seca, em 2004, a água podia ser encontrada a uma profundidade em torno de oito metros. Este ano, só indo mais fundo, dez metros de profundidade. Na Embrapa Cerrado está instalada a estação climatológica que vem monitorando as chuvas na região. “Os valores que na década de 70 giravam em torno de 1500mm de chuva por ano, hoje em dia estão na faixa de 1200, nos últimos 10 anos. A gente precisa de chuvas acima da média e por uns dois, três anos pra que a gente recupere o nível da água que está armazenada no solo e volte a ter uma vazão normal dentro dos nossos rios”, declara o pesquisador Jorge Furquim. Em Brasília, na Agência Nacional de Águas – ANA é possível entender melhor essa crise. Tudo o que acontece nas bacias da União está registrado em grandes painéis. Patrick Thomas, superintendente adjunto de regulação da ANA, fala sobre as áreas críticas. “Em primeiro lugar o Nordeste, que vem atravessando o terceiro ano de seca consecutivo. Em segundo lugar a região sudeste, principalmente São Paulo e parte de Minas. As chuvas que deveriam ter vindo da região da Bolívia, Peru, pra região sudeste do Brasil não vieram. Nós tivemos uma falta de água na região sudeste, que levou a pior estiagem da história no Sistema Cantareira, por exemplo. E, ao mesmo tempo, nós tivemos as piores cheias na região norte, especialmente na região da Bacia do Rio Madeira”. Patrick Thomas explica como a ANA atua em momentos de crise. “Ela pode restringir os usos, suspender os usos, alocar água entre usuários, ou seja, retirar de um uso, como a irrigação, para poder atender as cidades, que são uso prioritário, pode também restringir o uso industrial. Nós não desejamos adotar essas medidas”. No município de Cristalina, em Goiás, não falta água para a agricultura. Na região são 200 barragens que abastecem quase 700 pivôs. A área irrigada no município chega a 53 mil hectares. As barragens foram construídas com licença ambiental e devem garantir a vazão da água para manter os rios. Luiz Carlos Figueiredo é um dos agricultores beneficiados pelas enormes "caixas d'água” da região. Apesar da facilidade pra obter água, ele sabe do seu valor. “A gente procura evitar irrigar durante o dia, irrigamos mais à noite. Ela custa caro. A água não vem de graça aqui, nós temos que usar motores, usa energia elétrica, se nós não soubermos administrar bem nós estamos jogando água fora, dinheiro fora”, afirma. Na fazenda de Luiz Carlos, outra maneira de evitar o desperdício é o uso de um tipo de pivô, que joga a água bem em cima dos pés de café. Com a irrigação, o agricultor deixou de ser refém do clima. Nada de seis meses de chuva, seis de estiagem, como é o comum na região. “Nós aumentamos uma safra na mesma área e na produtividade ganhamos mais uma safra. Isso para o meio ambiente é colossal, não vamos precisar abrir mais área para produzir estas duas safras”, diz Alécio Maróstica, presidente do Sindicato Rural de Cristalina. Mas parece que economizar já não basta. Em Planaltina, no Distrito Federal, é desenvolvido um dos projetos coordenados pela Agência Nacional de Águas. O Projeto Produtor de Água vem funcionando há dois anos e meio. Ele surgiu de um conflito entre o abastecimento da cidade e o uso da água na agricultura. A disputa é pela água do Ribeirão Pipiripau, como conta André Moura, da Agência Reguladora de Águas. “A vazao do ribeirão diminuiu nos últimos anos em razão da ocupação desordenada da bacia. A ANA autoriza retirar até 400 litros por segundo. A companhia de saneamento só tem tirado 250 litros por segundo pra não atrapalhar a produção de alimentos”. Um canal que faz parte da Bacia do Ribeirão, atende 84 produtores, mas em seu percurso perde um terço da água disponível. “são problemas de infiltração, por ser um canal escavado no próprio solo. Há necessidade de se fazer um trabalho de revestimento ou então a parte de tubulação desse canal”, explica o agrônomo da Emater, Sulmar Ganem. A recuperação do canal vai ajudar a evitar perdas de água, mas a ideia do projeto é que o agricultor faça a sua parte, aprendendo a conservar e produzir esse recurso tão importante. “Mantendo a cobertura vegetal sobre o solo. Que pode ser floresta, mas pode ser cultura também. E outra, criando estruturas como terraços, barraginhas, que ajudam a reduzir a velocidade da água e permitem melhor infiltração. Nós estamos trabalhando um conjunto de técnicas com diversos produtores, a origem disso é baseada no pagamento por serviços ambientais porque nós temos que entender que o produtor ao fazer isso, não gera benefícios só pra propriedade dele não, ele gera benefícios pra sociedade como um todo”, explica Devanir dos Santos, gerente de uso sustentável da água e solo da ANA. O pagamento varia de 200 a 250 reais por hectare ao ano, dependendo do uso da área. Em uma reserva legal, em recuperação, na região, foram plantadas 18 mil mudas de espécies nativas. O agricultor Carlos Eduardo Sé, dono da área, já percebe diferença. “Há uma semana eu tirei uma mandioca e elea estava úmida em plena seca, então a água vai sendo preservada e vai mantendo essa umidade”, conta. A ideia é a seguinte: quando a chuva cai, se o solo estiver descoberto, vai haver erosão e a água, junto com terra, vai pro rio. O leito do rio vai ficando mais raso e a água logo, logo estará no mar, sem ter sido aproveitada. Se o solo estiver coberto com vegetação, a água ficará retida e terá mais tempo pra penetrar e chegar ao lençol freático, que aos poucos, vai abastecer o rio no período seco. Em outra propriedade, Daniel Pires sentiu na pele a necessidade de cuidar do solo e virou produtor de água. “A água descia de forma desordenada, destruindo tudo que encontrava lá pra baixo. A estrada era precária. Eu não gosto nem de lembrar”, diz. A estrada, antigamente, virava um caminho pra água, sofria erosão. Devanir dos Santos , gerente de uso sustentável da água e solo da ANA, explica as mudanças feitas no local. “Agora ela foi toda interrompida com os peitos de pomba, como a gente chama, que são estas estruturas de elevação, e a água é obrigada a entrar nos terraços”. Os terraços são linhas no campo, barreiras de terra, que diminuem a velocidade de escoamento da água. “Vai terminar o período de chuva e essa água vai estar alimentando o rio. Então eu praticamente distribuo a chuva que caiu em seis meses no ano todo”, diz Devanir. “Tô ansioso pra que chegue a chuva pra gente testar”, comenta o agricultor Daniel Pires. Ainda não dá pra medir resultados, mas é uma semente de mudanças. E agricultor vive pra semear. Triste é quando nem isso consegue fazer. Os meteorologistas têm um consenso. Não há sinais de que o início da estação de chuvas atrase nessas regiões que vimos na reportagem. Elas podem voltar no fim de setembro, começo de outubro. O que não se pode prever é a intensidade dessas chuvas.
tópicos: Brasília, Distrito Federal, Economia, Embrapa, Planaltina, São Paulo

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