Cotonicultores debatem o mundo pós-covid e as perspectivas para o algodão
Após o coronavírus, a disputa pelo mercado mundial ficará ainda mais acirrada para os produtores brasileiros de algodão, num cenário em que sobra oferta e faltam clientes. As perspectivas para o setor foram debatidas na noite de segunda-feira (27/04), em um webinar fechado para a cadeia produtiva da fibra, promovido pela Associação Brasileira dos Produtores de Algodão (Abrapa), com apoio da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e Associação Nacional dos Exportadores de Algodão (Anea).
O evento virtual foi o primeiro do Ciclo de debates: promoção e presença do algodão brasileiro no exterior, que integra o escopo do “Projeto Setorial de Promoção das Exportações do Algodão Brasileiro”, estratégia de marketing para reforçar a participação da pluma nacional na Ásia, com foco em incremento de percepção e fortalecimento de imagem do produto. O convidado especial do evento foi o sócio-diretor da Agroconsult, Marcos Rubin. Também integraram as discussões, os presidentes da Abrapa, Milton Garbugio, e da Anea, Henrique Snitcovski, além do diretor de relações internacionais da Abrapa, Marcelo Duarte. A mediação ficou a cargo do professor do Insper e consultor, Marcos Jank.
De acordo com Rubin, a recessão na economia global – decorrente das quarentenas, lockdowns e o consequente desemprego e queda na renda – vai afetar severamente o mercado de algodão. Prova disso é a demanda global, que estava em patamares de 26 milhões de toneladas no ano safra de 2018/2019, e deve cair para cerca 23,3 milhões de toneladas em 2019/20. “A diferença, cerca de quatro milhões de toneladas, equivale a quase uma safra americana”. Um recuo, segundo Rubin, de 10 anos no tempo. “Do ponto de vista estrutural, a demanda foi da ordem de 22 milhões de toneladas, 17 anos atrás”, comparou.
Antes da Covid-19, a perspectiva para as exportações globais era em torno de de 9,4 milhões de toneladas. Mas, até o final de julho, esse volume cair para, aproximadamente, 7,7 milhões de toneladas. “Quase não houve demanda de algodão nos meses de maio, junho e julho. Com os contratos que já foram estabelecidos, a procura por novos carregamentos será muito pequena. Do total estimado, 5,7 milhões de toneladas já foram embarcados”, explica. Rubin prevê uma retomada suave da demanda para 2021.
Batalha pelo mercado
Na disputa com os Estados Unidos, o Brasil vinha levando vantagem em mercados como a China, por conta das guerras tarifárias. No momento, os americanos ainda estão sofrendo mais, pelo fato da pandemia golpeá-los em cheio, justamente, no período em que mais exportam algodão: entre abril e agosto de cada ano. O câmbio, para os brasileiros, também estava ajudando a compensar a queda nos preços da commodity, mas, segundo Rubin, mesmo essas vantagens podem se diluir em breve. “Após julho, os EUA devem voltar ao jogo em condições de igualdade com o Brasil, e disputaremos esse mercado a tapa”, diz.
Para abrandar as previsões para 2021, o consultor torce por uma retomada da política de formação de estoques da China. O gigante asiático dá indícios de voltar a comprar algodão dos seus produtores, o que obriga a indústria chinesa a importar. “Não temos qualquer ingerência, mas isso pode fazer com que tenhamos um mercado maior do que se imagina hoje”, conclui.
Projeto Ásia
No final de 2019, a Abrapa firmou um convênio com a Apex-Brasil para a criação do Projeto Setorial de Promoção das Exportações do Algodão Brasileiro, um plano que abarca a criação de uma marca própria, para diferenciar ainda mais a pluma nacional dentre as commodities do mercado, uma série de ações de comunicação, para estabelecer canais efetivos entre produtores e compradores, e inclui a abertura de um escritório de representação em Singapura. Além disso, a formação de uma rede de agentes em cinco países asiáticos. A meta é a liderança do ranking dos maiores exportadores em 2030.
De acordo com Marcos Jank, os números apresentados por Rubin dão a dimensão do que ele chama de desafios gigantescos do algodão brasileiro. “Mais que nunca, o plano que foi traçado antes da Covid, será estratégico. A Abrapa vai ser a primeira entidade brasileira com presença física, com nome e sobrenome na Ásia, atuando em pelo menos sete países, com uma estratégia de comunicação”, disse.
Para Jank, o Brasil terá que seguir o exemplo de outros como Estados Unidos e Austrália, que investem há bastante tempo em promoção. “Temos diferenciais: a qualidade é extremamente elevada, mas a percepção não é ainda tão boa, porque nunca estivemos presentes”, afirmou. Ele destacou escala de produção, padronização de produto, rastreabilidade total em nível de talhão, qualidade e sustentabilidade como atributos do algodão nacional. “Todas essas vantagens competitivas são fruto de um trabalho extraordinário que a Abrapa fez ao longo dos anos, mas faltava um esforço em comunicar”, ponderou.
À frente dos recordes
No debate, o presidente da Anea, Henrique Snitcovski, enfatizou a participação de 20% do Brasil sobre o mercado global, mas disse que há ainda muito espaço para avançar, no total das importações pelos países. “Na China, onde o share do algodão brasileiro era em torno de 10%, passamos para mais de 30%. Em Bangladesh, temos crescido bastante, mas ainda somos a origem de apenas 10% do que o país importa. Temos condições de ir muito mais longe”, afirmou.
Snitcovski destacou a organização do setor como essencial para que o Brasil pudesse se estruturar para escoar números recordes de pluma nos últimos anos. Para esta safra, a Anea revisou os números previstos, de 2,05 milhões de toneladas, para 1,95 milhões de toneladas de algodão, no final do ciclo, em julho próximo. “Com esse total, estamos à frente de qualquer recorde histórico que já tivemos”, comemorou.
Foco em geopolítica
Representando os produtores, Milton Garbugio manifestou sua preocupação com a possível retração de área. “Fizemos muitos investimentos nas fazendas. O algodão é a cultura de maior custo, dentre todas as que plantamos. Por isso, ociosidade é muito cara para a gente”, lamentou. Porém, diante da crise, Garbugio vê oportunidades. “Acreditamos que haja muito boas perspectivas, mesmo nessa turbulência, e estamos trabalhando nelas. Somos obrigados, agora, a entender não apenas de produzir e vender a fibra. Temos de pensar em termos de geopolítica. Acreditamos nesse projeto; fomos audaciosos. Temos tudo para conquistar mais espaço e preferência, graças ao trabalho que já desenvolvemos, estruturando o setor e agregando valor à nossa fibra”, concluiu Garbugio.
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