domingo, 30 de novembro de 2014

Em SC, agricultores casados há 75 anos comemoram união com os filhos

Os Heck formam um dos casais de agricultores mais antigos de Tunápolis. Município foi colonizado por alemães católicos e a família teve 16 filhos. Edição do dia 30/11/2014 30/11/2014 09h15 - Atualizado em 30/11/2014 09h39 Helen Martins Do Globo Rural
Acompanhe uma festa de bodas na zona rural. E a gente sabe, bodas de prata são 25 anos de casados. De ouro, 50 anos. E bodas de brilhante? Foi isso o que a repórter Helen Martins, junto com o repórter cinematográfico Francisco Maffezoli Jr., foi descobrir. Com a história dos Heck, uma família de agricultores de Santa Catarina, é possível lembrar um pouco do pioneirismo dos imigrantes alemães no Sul do Brasil. Qual é a história que se esconde no preto e branco de uma foto antiga? Uma história de amor. O noivo com 24 anos e a noiva com 17, um casamento que já dura 75 anos. Dona Hilda hoje tem 92 anos e seu Aloísio Heck 99. Os dois são de Santa Cruz do Sul, no Rio Grande do Sul. Lá se conheceram, namoraram e casaram. Eles chegaram à Tunápolis , em Santa Catarina, porque Aloísio acabou fisgado por uma propaganda. “Fazia propaganda que era igual Adão e Eva no paraíso. Assim bonito era aqui”, conta ele. O paraíso anunciado ficava no que hoje é Tunápolis, em Santa Catarina. As terras tinham sido compradas e loteadas por uma empresa colonizadora. Mário Bieger é um dos primeiros moradores da região e explica os critérios usados pela empresa na hora de vender as terras. “Aqui tinha que ser de origem alemã e católico. Essas eram as exigências. Quem não era não recebia terra, era uma exigência da Sociedade União Popular. Se não fosse alemão e católico não comprava terra. Hoje daria o maior problema”, conta. Mas, na época, não deu. A cidade prosperou como mostram as fotos em um pequeno museu. A chapa usada para assar as hóstias e as fotos da primeira missa são provas da religiosidade dos moradores. Alguns objetos, como o estribo e o freio foram doação de Hilda e Aloísio. Aloísio chegou em uma carroça na região para abrir as primeiras roças na terra recém-comprada. Na época, ela era puxada por burros e, de Santa Cruz (RS) até Tunápolis (SC), rodou cerca de 600 quilômetros. “Era longe, de carroça. Levamos uns 14 , 15 dias para chegar aqui. Eu e meu irmão de carroça”, lembra. Quem guardou a carroça com carinho é um dos filhos do casal, o Pedro, de 65 anos. “Com essa carroça, nós íamos para igreja. Até no hospital era levado com aquela carroça, só que era de burro, daí. A mãe, várias vezes, quando estava grávida para ganhar nenê, era em cima da carroça que ia pro hospital também”, recorda Pedro Heck. Imagine a viagem no saculejo da carroça. Mas Aloísio veio, tomou posse da terra, plantou sua roça e voltou no mesmo saculejo para o Rio Grande do Sul. Desta vez, para buscar a família. Vieram de caminhão, família e mudança, animais, inclusive. A família estava quase chegando, quando o caminhão atolou. Aloísio decidiu ficar com as coisas enquanto Hilda e nove filhos, com idades entre cinco meses e 11 anos, seguiram pela estrada. Eles levaram só uma vaca para garantir o leite das crianças e caminharam quase oito quilômetros até encontrar o sítio. “Eu com nove crianças no meio do mato, isso não foi fácil. E os dois mais pequenos ainda tinha de carregar nas costas”, conta Hilda. Elíbio, outro filho do casal, que tinha cinco anos na época da chegada, conta como foi esta caminhada rumo à um sítio ainda desconhecido. “Meu pai explicou: tem que andar, tem que andar até encontrar um bueiro de coqueiro, uma primeira entrada a direita, era ali que nós íamos. Essa era a referência. E já estava escurecendo, a mãe tinha medo que um tigre aparecesse, mas nós, como éramos pequenos, não tínhamos noção do perigo do que podia acontecer. Então nós fomos e, de repente, nós achamos esse lugar ali”. Com os anos, a família cresceu ainda mais. O casal teve 16 filhos: Elíbio, Pedro, Lúcia, Francisco, Vilibaldo, Aloísio, Felipe, Lourdes, Afonso, Vunibaldo, Normilda (a irmã mais velha) e Regina (a irmã mais nova). Tem ainda a neta Solange, criada como filha. Quando todos se reúnem é uma trabalheira na cozinha. Lourdes prepara o pão de milho, receita que aprendeu com a mãe. Vai pro forno a lenha, junto com a batata doce e quando sai é garantia de sucesso. Na chapa antiga, Luís prepara o waffle ou váfel, como dizem lá. Primeiro a gordura, passada com uma boneca de palha de milho, e depois, a massa. Na frigideira, ovo mexido com bacon e a mesa do café da manhã vai ficando cheia de delícias, como as frutas e a tradicional cuca. Lourdes corta o pão com habilidade e as fatias ficam todas iguaizinhas. “Diziam que, se as fatias fossem iguais, a gente podia casar”, conta Lourdes. E a família se senta a mesa pro café, como antigamente. Primeiro, o Pai Nosso é rezado em alemão e, depois sim, a comilança. “Era sempre essa fartura. Não faltava nada na mesa. Só a cuca não tinha sempre, mas o resto, sim. Natal e Páscoa, aí tinha cuca e bolacha pintada”, conta dona Hilda. O papo na mesa mistura português e alemão. Esta é uma família unida, mas sentar todos juntos hoje em dia não é tão comum. “Faz anos que todos os irmãos não sentam juntos com o pai na mesa. É uma grande emoção. Antes não podia levantar porque tinha a reza, depois da refeição, sempre tinha reza. Ninguém podia sair antes de ter feito a reza e se saísse, tinha que voltar”, lembra emocionada a agricultora Lourdes Heck. Solange não viveu essa época. Ela é filha do José, já falecido. Ele se mudou para o Pará quando Solange tinha apenas seis meses, levando a mulher e uma outra filha um pouco mais velha. “Ela mora bem longe, conheço pelo nome só, não conheço a cara. Acho que faz uns 36 anos que não a vejo”, conta a agricultora Solange Heck. Solange deve ser a herdeira do sítio do casal. E não foi só ela que Aloísio conseguiu manter por perto, não. Na segunda parte da reportagem, veja a estratégia que ele usou para segurar os filhos no campo e os preparativos para a festa das bodas de brilhante, com uma surpresa que emocionou todo mundo. tópicos: Economia, Tunápolis

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