Publicado em 30/10/2019 18:44
por Reuters
RIO DE JANEIRO (Reuters) - O Ministério Público do Rio de Janeiro disse nesta quarta feira que o porteiro do condomínio em que o presidente Jair Bolsonaro tem casa na capital fluminense mentiu no depoimento em que afirmou que um dos acusados do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL) entrou no local afirmando que iria para a casa do presidente, então deputado federal.
Reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, na noite de terça disse que o porteiro afirmou em depoimento que Élcio Queiroz, acusado de dirigir o carro usado no assassinato da vereadora e de seu motorista Anderson Gomes, em março do ano passado, entrou no condomínio afirmando que ia à casa de Bolsonaro e que teve a entrada autorizada pelo "seu Jair".
Queiroz, de acordo com a reportagem que cita o depoimento, teria, na verdade, ido à residência de Ronnie Lessa, acusado de efetuar os disparos que mataram Marielle e Anderson. Lessa mora no mesmo condomínio de Bolsonaro.
"Ele mentiu", disse a promotora Simone Sibílio, do MP fluminense, em entrevista coletiva. "As testemunhas prestam depoimento e o MP checa. Nada passa sem ser checado... qualquer testemunha que mente, seja porteiro ou qualquer outro, pode ser processado", afirmou.
Na reportagem, o Jornal Nacional disse que o sistema de presença da Câmara dos Deputados mostra que Bolsonaro estava na Casa no dia do assassinato de Marielle, o mesmo em que Queiroz teria visitado Lessa no condomínio.
“Nós detectamos que quem atende essa ligação (do interfone da portaria do condomínio) não é a autoridade com foro de prerrogativa de função (Bolsonaro)”, disse a promotora
A informação dada pelo porteiro não é compatível com a prova pericial... não há compatibilidade entre os depoimentos do porteiro e a prova pericial. A pessoa que autoriza a entrada é Ronnie Lessa e qualquer afirmação que difere disso é equivocada e não guarda coerência com a prova técnica.”
As investigações do MP, que lidera a apuração do caso Marielle junto com a polícia do Rio de Janeiro, apontam que é de Ronnie Lessa a voz que aparece em uma gravação autorizando a entrada de Élcio Queiroz no condomínio, na Barra da Tijuca, na zona oeste do Rio, às 17h07 do dia 14 de março de 2018.
Horas depois, os dois teriam saído em um carro clonado até o centro do Rio de Janeiro para executar o plano de assassinar a vereadora carioca.
A polícia e o MP do Rio de Janeiro ainda buscam o mentor da morte de Marielle e a motivação para o crime. As investigações já levaram Lessa e Queiroz à prisão sob acusação de serem os executores do crime.
Em live transmitida na madrugada na Arábia Saudita, onde se encontra em viagem oficial, Bolsonaro negou veementemente ter autorizado a entrada em seu condomínio do suspeito no dia do crime e se ofereceu a falar com a polícia para se defender.
A promotora disse que, como um dos porteiros do condomínio citou em depoimento o nome do presidente da República, um contato foi feito com o Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que a menção envolvia uma pessoa com foro por prerrogativa de função.
"Imediatamente fizemos isso ao STF por ter sido citada uma pessoa com foro de prerrogativa de função. O MP cumpre a lei e se curva à lei e entrou em contato com o STF”, afirmou ela.
Também nesta quarta, após Bolsonaro afirmar que acionaria o ministro da Justiça, Sergio Moro, para que o porteiro prestasse depoimento à Polícia Federal sobre o caso, o ministro solicitou ao procurador-geral da República, Augusto Aras, a abertura de um inquérito para investigar a citação feita ao nome do presidente Jair Bolsonaro em apuração sobre o assassinato da vereadora.
A PGR disse que foram arquivadas as informações sobre a citação de Bolsonaro no caso e que o pedido de Moro foi recebido e o caso será apurado pelo Ministério Público Federal no Rio de Janeiro.
Moro pede à PGR abertura de inquérito sobre citação a Bolsonaro em caso Marielle
RIO DE JANEIRO/BRASÍLIA (Reuters) - O ministro da Justiça e Segurança Pública, Sergio Moro, pediu nesta quarta-feira ao procurador-geral da República, Augusto Aras, a abertura de inquérito para investigar a citação feita ao nome do presidente Jair Bolsonaro em apuração sobre o assassinato da vereadora Marielle Franco.
O pedido de Moro veio horas depois de o presidente Jair Bolsonaro ter reagido à reportagem do Jornal Nacional, da TV Globo, afirmando que o porteiro do condomínio de Bolsonaro no Rio disse em depoimento que Élcio Queiroz, um dos suspeitos da morte de Marielle, entrou no local dizendo que iria à casa do então deputado.
Queiroz, no entanto, foi para a residência do ex-policial Ronnie Lessa, acusado de ser autor dos disparos que mataram a vereadora do PSOL e seu motorista, Anderson Gomes, em março do ano passado, segundo a reportagem.
Bolsonaro negou ter autorizado a entrada em seu condomínio do suspeito no dia do crime e se ofereceu a falar com a polícia para se defender.
O presidente fez uma transmissão de vídeo ao vivo em sua página no Facebook de madrugada na Arábia Saudita, onde está em visita oficial, na qual fez duros ataques à TV Globo e ao governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel (PSC), a quem acusou de vazar as investigações, que correm sob segredo de Justiça.
"Eu tenho registrado no painel eletrônico da Câmara 17h41, ou seja, 31 minutos depois da entrada desse elemento no condomínio, e tenho também 19h36, e tenho também registrado no dia anterior e no dia posterior as minhas digitais no painel de votação", disse Bolsonaro no vídeo em uma resposta exaltada.
Segundo a reportagem do JN, o porteiro do condomínio teria dito que um homem com a voz de Bolsonaro teria autorizado pelo interfone a entrada de Queiroz, acusado de dirigir o carro usado no assassinato de Marielle. Queiroz e Lessa foram presos em março deste ano e se tornaram réus por duplo homicídio triplamente qualificado sob acusação de terem assassinado Marielle e Anderson.
A reportagem da TV Globo ressalvou que o sistema da Câmara registra a presença de Bolsonaro no Congresso no dia da visita de Élcio Queiroz, e o presidente confirmou em sua transmissão de vídeo que estava na capital federal.
"O que cheira isso aqui, não quero bater o martelo, o que parece: ou o porteiro mentiu, ou induziram o porteiro a cometer um falso testemunho ou escreveram algo no inquérito que o porteiro não leu e assinou embaixo em confiança ao delegado ou àquele que foi ouvi-lo na portaria", acrescentou.
O presidente disse que quer falar com o delegado responsável pelo inquérito para se defender, e acrescentou que vai tornar público seu depoimento, independentemente de o processo correr em sigilo.
"Eu quero falar sobre esse processo. Vou chegar na madrugada de quinta-feita, a partir dessa madrugada estou à disposição de vocês. Senhor delegado, quero te ouvir, olhar nos seus olhos, e que o senhor faça perguntas para mim, quero te responder", afirmou.
CONCESSÃO DA GLOBO
Na transmissão, o presidente xinga a TV Globo de "canalha", a acusa de ter feito uma "patifaria" e, ao citar que a concessão pública da emissora que vence em 2022, diz que não perseguirá a Globo, mas que apenas aprovará a renovação se o processo estiver "enxuto".
"Por que, TV Globo, por que revista Época (pertencente ao Grupo Globo), essa patifaria? Essa coisa que não dá para definir. Deixem eu governar o Brasil! Vocês perderam! Vocês vão renovar a concessão em 2022, não vou persegui-los, mas o processo tem que estar limpo. Se não estiver limpo, legal, não tem renovação de concessão de vocês e de TV nenhuma", disse o presidente, claramente exaltado.
"Vocês apostaram em me derrubar no primeiro ano e não conseguiram. Estou fazendo uma viagem de sacrifício, 10 dias longe da família, ralando o dia todo. Estamos recuperando a confiança no mundo e vocês, TV Globo, o tempo todo infernizam a minha vida, porra!"
Em sua transmissão de vídeo de madrugada, Bolsonaro também acusou o governador do Rio de Janeiro de ter vazado as informações do inquérito para a imprensa, segundo o presidente, com a intenção de "destruir a família Bolsonaro" de olho nas eleições presidenciais de 2022.
Em nota oficial, Witzel afirmou que não compactua com vazamentos e negou interferência política nas investigações.
"Lamento profundamente a manifestação intempestiva do presidente Jair Bolsonaro. Ressalto que jamais houve qualquer tipo de interferência política nas investigações conduzidas pelo Ministério Público a cargo da Polícia Civil", afirmou.
O governador acrescentou posteriormente, em entrevista a jornalistas, que as acusações de Bolsonaro eram "levianas" e reiterou não ter feito qualquer vazamento. “Recebi com muita tristeza essas levianas acusações. Espero que o presidente reflita", afirmou, acrescentando que Bolsonaro deve um pedido de desculpas ao Estado e ao povo do Rio de Janeiro.
A TV Globo afirmou, também por meio de nota, que revelou a existência do depoimento do porteiro e das declarações que ele fez, mas que ressaltou "com ênfase e por apuração própria" que as afirmações se chocavam com os registros de presença do então deputado em Brasília naquele dia.
"O depoimento do porteiro, com ou sem contradição, é importante, porque diz respeito a um fato que ocorreu com um dos principais acusados, no dia do crime. Além disso, a mera citação do nome do presidente leva o Supremo Tribunal Federal a analisar a situação", acrescentou a emissora.
"POSSÍVEL EQUÍVOCO"
Em entrevista na manhã desta quarta-feira, ao dizer que pediria a Moro que acionasse a Polícia Federal para ouvir o porteiro, Bolsonaro afirmou que assim "esse fantasma que querem colocar no meu colo, como um possível mentor da morte de Marielle, seja enterrado de vez".
Pouco depois, Moro enviou o ofício ao procurador-geral da República, Augusto Aras, para que abra um inquérito a fim de investigar a citação feita pelo porteiro ao nome do presidente.
No ofício a Aras, Moro mencionou o fato de que a própria reportagem aponta o registro de presença de Bolsonaro na Câmara. Para o ministro, a inconsistência sugere "possível equívoco na investigação conduzida no Rio de Janeiro ou eventual tentativa de envolvimento indevido do nome do presidente da República no crime em questão".
Segundo Moro, isso pode configurar crimes de obstrução à Justiça, falso testemunho ou denunciação caluniosa, neste último caso tendo por vítima o presidente da República, o que determina a competência da Justiça Federal e, por conseguinte, da Polícia Federal e do Ministério Público Federal.
(Reportagem adicional de Eduardo Simões, em São Paulo, e Rodrigo Viga Gaier, no Rio de Janeiro)
Fonte: Reuters
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