domingo, 28 de fevereiro de 2016

Com desemprego alto, processos da Justiça do Trabalho disparam em 2015

28/02/2016 15h14 - Atualizado em 28/02/2016 16h43


Com desemprego alto, processos da Justiça do Trabalho disparam em 2015




Número de ações tem maior crescimento em 20 anos e atinge 2,6 milhões.
Presidente do TST defende meios alternativos de resolução de conflitos.

Karina Trevizan e Thiago ReisDo G1, em São Paulo


Processos trabalhistas (Foto: Arte/G1)
Onúmero de processos trabalhistas no Brasil teve um aumento de 12,3% em 2015. É o que mostram dados do TST (Tribunal Superior do Trabalho) obtidos pelo G1. Foram recebidas pelas varas do Trabalho espalhadas pelo país 2,6 milhões de ações no ano passado – um recorde de toda a série histórica, iniciada em 1941.

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Além disso, desde 1995, o aumento percentual de um ano para o outro não era tão elevado – naquele ano, a alta foi de 12,4%. De acordo com especialistas ouvidos pelo G1, entre todos os fatores, um é determinante: a alta do desemprego em 2015. Segundo dados de dezembro divulgados pelo IBGE, a taxa média de desemprego para o ano ficou em 6,8%. De acordo com a pesquisa, "foi a maior de toda a série anual da pesquisa [março de 2002] e também interrompeu a trajetória de queda que ocorria desde 2010".
“A crise econômica fez com que mais trabalhadores despedidos procurassem a Justiça do Trabalho para reparar algum direito”, afirma o professor da FGV e da PUC-SP Paulo Sérgio João. “Quando há uma situação econômica mais estável, não há um fluxo tão grande de reclamações trabalhistas. A Justiça do Trabalho é uma Justiça dos desempregados. É a última tábua de salvação.”
Quando há uma situação econômica mais estável, não há um fluxo tão grande de reclamações trabalhistas. A Justiça do Trabalho é uma Justiça dos desempregados. É a última tábua de salvação"
Paulo Sérgio João, professor da FGV e da PUC-SP
O coordenador do curso de direito do Mackenzie Campinas, Claudinor Barbiero, faz uma análise parecida. “Estamos atravessando uma crise sem precedentes. Isso faz com que os trabalhadores desempregados, sem possibilidade de aprimoramento ou recolocação, recorram à alternativa do ajuizamento de uma ação. É um fenômeno que decorre principalmente da recessão.”
Barbiero cita ainda o caso de pequenas e médias empresas que não têm conseguido pagar as verbas rescisórias. “Muitas dessas empresas preferem que o empregado vá à Justiça do Trabalho para que possam ganhar tempo. Além disso, evitam uma negociação direta, e conseguem parcelar o valor.”
Os efeitos da crise se mostram duradouros. Isso afeta todo o mercado de trabalho. Se há um número expressivo de demandas, em 2016 ele vai ser ainda maior"
Claudinor Barbiero, professor do Mackenzie Campinas
Em 2015, houve o fechamento de 1,54 milhão de vagas formais de trabalho, a pior taxa em 24 anos, segundo o Ministério do Trabalho. Em contrapartida, foi registrado um aumento na informalidade.
“A contratação de trabalhadores sem registro, sem cumprimento de obrigações, vai fazer aumentar ainda mais o volume de ações”, preconiza Paulo Sérgio João.

Barbiero também prevê um cenário nada favorável: “Os efeitos da crise se mostram duradouros. Isso afeta todo o mercado de trabalho. Se há um número expressivo de demandas, em 2016 ele vai ser ainda maior. Parece catastrófico e é triste esse quadro, mas é realista. Não há como fugir”.
Os dados do TST mostram que foram julgadas no ano passado 2,5 milhões de ações pelas varas do Trabalho. Há hoje 1,6 milhão de processos à espera de apreciação (o número também leva em conta as ações não julgadas de anos anteriores).
O novo presidente do TST, Ives Gandra Martins Filho, afirmou, em seu discurso de posse nesta quinta (25), que há uma preocupação com o grande volume de processos. "O que explica o crescimento desmesurado das demandas trabalhistas e a pletora de recursos, atolando e paralisando todos os nossos tribunais? Como tirar do papel a garantia constitucional da celeridade processual? Parece-me que, além das causas exógenas à própria Justiça, que são os defeitos e imperfeições em nossa legislação social, as causas endógenas são, em meu humilde olhar, a complexidade de nosso sistema processual e recursal e o desprestígio dos meios alternativos de composição dos conflitos sociais", disse.
Gandra Martins Filho afirmou que "trabalhará para contribuir com a racionalização judicial, a simplificação recursal e a valorização da negociação coletiva, fazendo do processo meio e não fim, prestigiando as soluções que tornem mais célere e objetivo o processo, reduzindo ao mesmo tempo as demandas judiciais".
Novo perfil
A advogada Vanessa Vidutto diz que seu escritório tem recebido um novo perfil de trabalhadores em busca de reparação. “Há muitos demitidos em massa, pessoas com qualificação, muitos anos de empresa e salários bons. São as empresas buscando alternativas pra baratear custo, claramente reflexo da crise.”
Selo desempregado (Foto: Editoria de Arte/G1)
Um contador de São Paulo de 55 anos ouvido pelo G1 é um dos exemplos. Ele entrou com uma ação contra a empresa na qual trabalhou por 34 anos após uma demissão em massa. O ex-funcionário conta que a empresa da indústria farmacêutica decidiu terceirizar os serviços administrativos. Ele e quase todos os colegas do setor (com exceção de dois) receberam uma carta informando sobre a demissão. Ao todo, foram 14 demissões. Mas não foram mandados embora de imediato: eles tiveram que passar os últimos meses na empresa treinando as pessoas que os substituíram no trabalho.
“Estamos pedindo danos morais em cima dessa tortura que nós tivemos por esse tempo todo, de trabalhar, se doar para passar o serviço para os outros, sabendo que nós estávamos pré-datados”, afirma o contador, que prefere não se identificar. “É horrível trabalhar dessa forma: sair da sua casa todos os dias sabendo que você vai para uma empresa onde sabe que, mais cedo ou mais tarde, não vai ficar mais.”
Estamos pedindo danos morais em cima dessa tortura que nós tivemos por esse tempo todo, de trabalhar, se doar para passar o serviço para os outros, sabendo que nós estávamos pré-datados"
Contador de 55 anos, que entrou com ação contra empresa na qual trabalhou por 34
“A empresa levou todo o sistema financeiro para a Argentina e o contábil, para a Índia. Treinamos os indianos e os argentinos”, relata. “Eles me deram dois salários de prêmio para me sujeitar a fazer isso. É horrível você repassar tudo o que criou de mão beijada.”
Na ação, o contador ainda pede um ressarcimento por periculosidade do trabalho. Contratado em 1980, ele conta que os funcionários mais novos foram admitidos já com esse direito. “Eu trabalhei em um prédio de dois andares. Embaixo ficava o laboratório químico geral da empresa e na parte de cima ficávamos nós, do departamento administrativo. Por várias vezes tivemos que evacuar o prédio e ficar do outro lado da avenida por causa do cheiro insuportável e do ardor nos olhos. Eu sofro de bronquite asmática. Na saída, questionei sobre isso ao rapaz do RH, e perguntei por que a gente não tinha os 30% de periculosidade. Em uma conversa em off, ele falou: ‘Se de cada dez funcionários, um entrar com ação trabalhista por isso, ainda estamos no lucro’.”
Ele também reivindica horas extras e questiona o período em que precisou trabalhar em outro município sem receber o devido respaldo da empresa.
O contador diz que, além dele, outros 3 colegas de departamento demitidos também entraram com ação trabalhista contra a empresa. Dois ainda avaliam a possibilidade.
Fim do medo da ‘lista negra’
Para os especialistas, o aumento de ações também é resultado de uma conscientização maior dos trabalhadores em relação a seus direitos. “O trabalhador hoje não é tão passivo. Tem uma instrução melhor e recebe orientação. Senão por meio do sindicato, por iniciativa própria vai buscar informações. E quando uma irregularidade acontece fatalmente ela vai desaguar numa reclamação na Justiça”, afirma Barbiero.
As pessoas não podem ter o direito de livre acesso ao Judiciário inibido"
Vanessa Vidutto, advogada
Segundo ele, o que não pode acontecer é o trabalhador ter receio de entrar na Justiça. “Muitos ficam com medo por conta de cadastros, listas negras, de ficarem marcados, estigmatizados. Isso é uma preocupação absurda.”
A advogada Vanessa Vidutto concorda. “Há uns anos, com o CPF e o nome era possível fazer uma pesquisa pela internet nos tribunais regionais, como se faz nos tribunais de Justiça. Agora, é preciso fazer uma petição justificando os motivos e o juiz ainda vai analisar. Ou seja, existe uma proteção. As pessoas não podem ter o direito de livre acesso ao Judiciário inibido”, diz.
Fraudes trabalhistas
Mas como saber quando entrar na Justiça? O que configura uma fraude trabalhista? O G1 pediu para a S2 Consultoria, empresa especializada em prevenir e tratar atos de fraude, para responder a essas e outras perguntas. Veja a seguir:
Pergunta 1 (Foto: Arte/G1)
Fraude é tudo o que é utilizado para ter vantagem sobre outro por meio de sugestões falsas ou omissão da verdade. Assim, a fraude trabalhista é o engano, esperteza ou dissimulação e quaisquer outros meios injustos por intermédio dos quais outra pessoa é enganada. Ela pode ser praticada pelas duas partes do contrato trabalhista – pelo empregado ou pelo empregador.

As fraudes trabalhistas mais comuns praticadas pelos empregados são apresentação de diplomas falsos, falsificação de comprovante de residência, atestados médicos fictícios, entre outros. Já as praticadas pelos empregadores se configuram com o não registro ou registro inadequado do empregado, com a falsidade de informação quanto ao vínculo trabalhista, com a contratação dissimulada de profissionais no modelo de PJ (pessoa jurídica).

Pergunta 2 (Foto: Arte/G1)
Há um mito de que o trabalhador que recorre à Justiça ficará marcado no mercado como um mau profissional e, consequentemente, não conseguirá mais emprego formal em nenhum lugar. Segundo a consultoria, isso é uma falácia, por dois motivos. Primeiro porque não há como o mercado ter conhecimento dessa situação, tanto por não existir banco de dados para isso como pelo risco que o antigo empregador processado corre ao relatar que houve o ingresso do profissional de uma ação trabalhista.

O segundo motivo é bem mais simples: se a nova empresa não contrata um profissional por ter procurado seus direitos na Justiça, talvez seja uma empresa que teme que este profissional fará o mesmo com ela por não cumprir as leis trabalhistas. Aí, é o profissional que não deve selecioná-la.

Pergunta 3 (Foto: Arte/G1)
O profissional deve recorrer à Justiça sempre que seus direitos forem violados. Porém, apenas quando forem violados. O que significa dizer que cada vez mais a Justiça Trabalhista está intolerante com pedidos exorbitantes e infundados dos trabalhadores. Não há mais espaço para o famoso "vai que cola", diz a S2.

O trabalhador deve buscar o que realmente é seu por direito e não exageros. Por outro lado, o empregador também deve recorrer a uma demissão por justa causa quando se deparar com atos fraudulentos do empregado, não permitindo assim que se alimente a cultura da impunidade dentro da organização, o que fomentará mais e mais fraudes. Mas a justa causa não isenta a empresa das obrigações trabalhistas que ela deve ao trabalhador.

Pergunta 4 (Foto: Arte/G1)
A fraude pode ser provada por meio de arquivos eletrônicos (e-mail é o mais comum), mas também por meio de testemunhos de colegas de trabalho.



Pergunta 5 (Foto: Arte/G1)
1) Verbas trabalhistas: horas extras não pagas, falta de recolhimento de FGTS, não pagamento de 13º salário, e não equiparação salarial com colegas que exerciam a mesma função
2) Vínculo trabalhista: requerimento de registro formal, vincular corretamente o tipo de relação trabalhista
3) Danos morais: solicitação de indenização por ter sofrido algum tipo de lesão moral no decorrer da relação trabalhista.

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